Estudo do Butantan que vacinou a população adulta da cidade do interior paulista com a Coronavac indica que a pandemia pode ser controlada com a imunização de 75% da população. Também indica que não é necessário revacinar idosos, mas ampliar a fatia da população imunizada

Praticamente toda a população adulta da cidade de Serrana, no interior paulista, foi vacinada com a Coronavac em um estudo inédito realizado pelo Instituto Butantan, chamado Projeto S. Os primeiros resultados preliminares, divulgados oficialmente nesta segunda-feira (31), mostram que a vacinação diminuiu em 95% o número de mortes por covid-19 enquanto a crise sanitária se intensificava em cidades vizinhas que não tiveram vacinação em massa. O número de casos sintomáticos da doença caiu em 80%, e as internações em 86%. Segundo o Instituto Butantan, a pesquisa mostra que a pandemia do novo coronavírus pode ser controlada com a imunização de 75% da população. “Conseguimos proteger inclusive aqueles que não foram vacinados”, afirma o diretor clínico da pesquisa, pesquisador Ricardo Palacios. Segundo o Butantan, o estudo não indica neste momento a necessidade de revacinar idosos com uma terceira dose, mas sim ampliar o percentual da população imunizada para se chegar a uma proteção coletiva. “É a comunidade que vai nos proteger”, salienta Palacios.

O presidente do Butantan, Dimas Covas, conta que o estudo começou a ser planejado em agosto do ano passado e que foi adaptado em relação às clássicas pesquisas de efetividade de uma vacina para incluir a possibilidade de avaliar os efeitos da imunização no controle à pandemia. “Com isso, gerou-se um enorme conjunto de dados que nos permitem entender a dinâmica da pandemia e as formas efetivas de seu controle”, destacou. Foi montado um sistema de acompanhamento epidemiológico e feito um georreferenciamento de todos os casos e internações. O diretor do Hospital Estadual de Serrana, Marcos Borges, explica que o público-alvo da pesquisa foi 62% dos 45,6 mil moradores da cidade. Este percentual corresponde à população adulta vacinável, tendo em vista que menores de 18 anos, gestantes e lactantes não estavam autorizadas pela Anvisa a receber o imunizante à época da vacinação, ocorrida entre fevereiro e abril. Os dados apresentados a seguir correspondem a esta faixa populacional.

Universidade Metodista

Coronavac protege contra variante brasileira

98% da população apta a se vacinar completaram o esquema de vacinação com duas doses da Coronavac. Ao contrário de cidades vizinhas que viram o recrudescimento da crise ― como por exemplo Brodowski, que no momento corre o risco de colapso do sistema de saúde ― Serrana tem conseguido controlar a pandemia graças à vacinação. “Serrana está exposta como lugares onde o vírus está circulando, mas controla a pandemia”, afirma Palacios. Lá, o estudo mostra que houve o efeito que o pesquisador chama de “imunidade indireta” ―também conhecida como imunidade de rebanho. Isso se reflete na proteção de pessoas que não foram vacinadas porque houve uma elevada taxa de imunização da população. Palacios cita que crianças e adolescentes, por exemplo, acompanharam a redução de casos de covid-19 mesmo sem estarem vacinadas. O estudo também mostra que a Coronavac funciona contra a variante brasileira P1, mais transmissível, que está circulando na região. “Por isso é importante que quem tenha a oportunidade de se vacinar, o façam”, defende.

Outro resultado importante foi que a vacinação de adultos não empurrou o aumento de infecções para faixas etárias menores e ainda suscetíveis. O dado é importante para nortear a retomada das atividades escolares, em discussão neste momento no país. “São muito escassas as hospitalizações desta faixa etária [crianças e adolescentes] e não houve um aumento”, destaca Palacios. A hospitalização de idosos também reduziu significativamente. “O efeito da vacina é tão forte que consegue proteger inclusive os que não foram vacinados”, afirma Palacios. “A vacinação é a chave”, diz o pesquisador, acrescentando que ela não gera a seleção de novas variantes.

“A vacina do Butantan criou um cinturão imunológico em Serrana, protegendo tanto os adultos que foram vacinados quanto as crianças e adolescentes que não fossem vacinados”, afirma o governador João Doria, que aproveitou a coletiva de imprensa sobre os resultados do estudo para alfinetar o presidente Jair Bolsonaro. Ele afirma que a realidade de Serrana poderia ser a do país, não fosse o atraso na imunização brasileira.

A campanha nacional de vacinação contra a covid-19 segue em ritmo lento, com 21% da população com a primeira dose e apenas 10% com o esquema vacinal completo. Além disso, o Brasil se aproxima de uma nova onda de contágio, potencialmente mais grave que as anteriores. A realidade de Serrana ainda é, portanto, uma ilha no país. Antes de saírem os resultados, há algumas semanas, o EL PAÍS esteve na cidade, que já fazia planos para voltar à normalidade pré-pandemia e retomar festas, abraços e negócios. Por enquanto, a população ainda precisa continuar usando máscaras, mas algumas medidas já começam a ser relaxadas, como o funcionamento do comércio.

Serrana teve a oportunidade de ser a primeira cidade brasileira a ter vacinação em massa, com 97,7% de sua população adulta imunizada contra o coronavírus, por ser escolhida pelo Instituto Butantan para sediar o chamado Projeto S ― um projeto piloto que procura entender qual a capacidade da vacina Coronavac, a mais aplicada no país, para minimizar a pandemia em um cenário real. Foi escolhida ainda no ano passado por ser uma cidade pequena com alta incidência de casos, além de ter capacidade de pesquisa e suporte científico por sediar um hospital estadual. Lá, ao menos um terço da população adulta viaja diariamente à vizinha Ribeirão Preto para trabalhar, um fator que contribuía para a alta prevalência de covid-19.

Ainda no ano passado, a gestão municipal reuniu lideranças religiosas e comerciantes da cidade para convencer a população a aderir à vacinação. O resultado foi uma alta adesão ao estudo, com 27.150 pessoas do público-alvo vacinadas, o que representa 64% de toda a população da cidade, já que crianças, gestantes e lactantes não foram imunizadas no projeto porque ainda não há estudos da vacina voltados a este público. A vacinação pelo projeto S terminou no dia 11 de abril e semanas depois a população já fazia planos para voltar à normalidade.

“Antes a gente via os vizinhos sendo internados com covid-19, isso diminuiu muito”, contou ao EL PAÍS a auxiliar de serviços gerais Marcelina Gonçalves, de 38 anos. Ela trazia na bolsa o seu cartão de vacinação, que virou um documento importante para ela assim como o CPF ou a identidade. Serrana estuda, inclusive, adotar uma espécie de “passaporte da imunidade”, como aconteceu na Europa.

“As pessoas tinham medo até de passar na rua do hospital e o movimento caiu muito. Tivemos que brigar muito, colocar delivery e fazer empréstimos para conseguir manter os funcionários”, conta o comerciante Nagib Almeida de Issa, de 27 anos, que já vê retornar o movimento na salgaderia de paredes vermelhas que mantém em frente ao Hospital Estadual de Serrana.

O anúncio do projeto S provocou derrubou até sites de imobiliárias da cidade, com um grande número de pessoas em busca de um imóvel para tentar se vacinar. Mas um censo para detectar a população vacinável já havia sido realizado no ano anterior. “Nunca tinha visto um boom desses em 29 anos trabalhando aqui”, conta Manoel Messias de Oliveira, que tem uma imobiliária no centro da cidade. “Mais de 100 pessoas além da demanda habitual nos procuraram. Tivemos uma semana de euforia. Um cliente de Recife chegou a dizer que compraria uma casa para conseguir se vacinar, mas a gente procurou a Secretaria da Saúde, e eles disseram que o mapeamento já havia sido feito”, explica Messias.

Por: BEATRIZ JUCÁ
Fonte: El País