Fundador e presidente do Portal Reclame Aqui, em operação desde 2001, e recebendo diariamente cercade 500 mil consultas de consumidores que querem saber mais sobre a reputação das empresas, Maurício Vargas fala à Revista República sobre os desafios e oportunidades que o avanço tecnológico oferece à relação entre cidadãos e órgãos públicos. Sua empresa, que agora também abre espaço para reclamações destinadas a serviços públicos ineficientes, busca quebrar paradigmas burocráticos e orientar as prefeituras e demais órgãos públicos sobre como lidar com esse novo momento, em que o cidadão “coloca a boca no mundo”, quando se sente insatisfeito.

 

Universidade Metodista

Revista República – Como surgiu a sua ideia pessoal de dar voz às pessoas por meio da internet?

Maurício Vargas – O Reclame Aqui nasceu em uma era onde a internet era algo muito novo, os internautas ainda estavam aprendendo qual era o verdadeiro potencial da rede. Em abril de 2001, eu tive um problema com uma companhia aérea que acarretou na perda de uma oportunidade de negócios. Até hoje lembro o que senti na época: eu não queria nenhum atendimento preferencial, só queria ser bem atendido e tratado com respeito. É o que todos queremos, certo? Como um estalo, veio a ideia. Abri o site para expor o meu problema, tanto para que outros consumidores pudessem ver o que aconteceu comigo, quanto para que eles também pudessem reclamar. Depois disso, quase 15 anos se passaram e hoje o site recebe 30 mil reclamações por dia, de consumidores atrás de uma solução para os seus problemas.

O Reclame Aqui é um portal tradicional no País, que começou estritamente no setor privado. Quando o senhor percebeu que haveria espaço para estender o sistema para o cidadão comum, que busca melhores serviços públicos?

A ideia do Reclame Aqui – Serviços Públicos vem de longa data. Assim como todos nós somos consumidores, todos somos cidadãos. No decorrer dos anos tentamos alguns formatos e engajamentos diferentes, até que no começo de 2015 lançamos o conceito atual que todos cidadãos podem acessar por meio do http://reclamaqui.com.br. Quem é que nunca passou por uma rua esburacada, uma rua com iluminação precária ou conhece alguém que teve um problema com o sistema público de saúde? Todos somos cidadãos o tempo todo. Isso é algo que acontece como parte vital do nosso dia a dia, por mais que alguns tentem se isentar dessas causas, eventualmente acabamos nos deparando com algum problema relacionado ao meio em que vivemos e temos que fazer parte disso. A sociedade é um organismo vivo e nós somos parte integral dela.

O cidadão hoje reclama mais?

Gosto sempre de fazer o paralelo cidadão – consumidor. O brasileiro não quer mais ser o agente passivo da relação, seja ela de consumo ou cidadania. Ele vai atrás dos seus direitos e caso as coisas não saíam conforme o esperado, ele coloca a boca no mundo. Com o Reclame Aqui e as redes sociais nas mãos, as empresas e órgãos públicos devem ficar cada vez mais atentos para atender esse público.

Fala-se muito dos consumidores 2.0, 3.0… Cada vez com novos conceitos. O cidadão também passa por uma evolução de personalidade?

No ramo em que trabalhamos é muito comum ouvirmos cada vez mais esses novos conceitos. Não encontramos um 4.0 ainda, mas não duvido que logo apareça um [risos]. Independente da numeração dada ao consumidor ou para o cidadão, a premissa é bem simples: os dois estão em constante evolução. Como eu falei antes, acabou a passividade. Os protestos constantes, que nasceram naquele “Vem pra rua”, de 2013, são a prova viva e duradoura de que o cidadão não vai se calar para qualquer decisão tomada pelos governantes. Muitos acreditaram que os protestos de dois anos atrás seriam “um fogo depalha” e hoje, dois anos depois, vemos que a mobilização social apenas se solidificou. Conheço pessoas que na época não saíram para as ruas e hoje em dia são ativistas ferrenhos. É a sociedade evoluindo.

Qual o perfil das reclamações relacionadas aos órgãos públicos que geralmente ganham mais repercussão no Portal?

Tomando São Paulo, uma das maiores metrópoles do mundo, como amostragem, podemos ver alguns campeões no ranking dos motivos mais reclamados. Trânsito, saúde, atendimento/SAC e educação são os principais motivos dados pelos cidadãos reclamantes.

É possível traçar números para exemplificar o avanço das reclamações sobre serviços públicos?

Falar de números ainda é complicado, já que estamos no nosso primeiro ano ativo com o projeto, mas posso dizer com certeza que ele nos surpreendeu positivamente e é algo que esperamos que um dia vire um serviço tão acessado pelos cidadãos quanto é pelos consumidores e tão atendido pelos gestores públicos quanto é pelas empresas.

O Brasil sofre há anos com o atraso educacional. O senhor percebe no portal se as pessoreas entenderam a proposta de forma clara?

Independentemente de qualquer atraso educacional que haja no Brasil, que é inegável, algo que é inerente para todos nós, brasileiros, é que cansamos de sermos deixados para trás. É claro, existem algumas regiões sem internet, de difícil acesso, mas que nós almejamos alcançar um dia, nem que seja de forma física, para fazer parte do aprendizado e da instrução dessa parcela da população.

A tecnologia é o melhor caminho para gerar transparência e combater a corrupção?

Neste tempo em que vivemos, a tecnologia é a voz do povo. Ele vai para as ruas, ele protesta, ele faz ocupações, mas se reúne na internet. É na internet que o cidadão do Pará fica sabendo de um abuso policial que possa ter acontecido em São Paulo ou que o Brasil compartilha as fotos e se mobiliza pela tragédia de Mariana/MG. Na internet conseguimos conhecimento e conhecimento é poder. Temos que lembrar também que a internet é apenas um facilitador, quem combate a corrupção é o voto do cidadão, é a sua voz em todos os lugares.

Na sua visão, a Lei de Acesso à Informação e os Portais Transparência contribuíram para fiscalizar os governos?

Quanto mais canais o cidadão tiver para fiscalizar o governo do seu estado e os seus governantes, melhor. Isso não é algo que tínhamos no passado, por exemplo, em uma era sem internet. Sempre existem aqueles mais extremistas; mas, se usada com sabedoria, a internet pode nos levar mais longe do que imaginamos. Não ela em si, mas a potência que ela dá para as nossas opiniões!

Como o senhor avalia a relação entre a reclamação do cidadão comum via portais, com a conduta da imprensa brasileira hoje? Vivemos uma época de transformações nesse quesito?

A imprensa nos procura bastante, procurando personagens para as suas matérias, inclusive no Reclame
Aqui – Serviços Públicos e nós ainda recebemos muitos e-mails de consumidores e cidadãos que também acabam copiando veículos da imprensa nesses e-mails com denúncias. É o que eu mencionei anteriormente, com a internet. Onde o consumidor vê um campo em branco, ele vai atrás de fazer a sua voz ser ouvida.

Infelizmente, no Brasil ainda temos prefeituras que funcionam quase sem acesso à tecnologia. Isso gera que tipo de problemas ao Reclame Aqui?

Nós temos alguns planos de levar a informação mesmo para lugares que não tenham acesso à tecnologia, no futuro. É claro, se a prefeitura não tem acesso, não consegue acessar o nosso site, mas nós não desejamos que as dificuldades físicas sejam impedimentos para que cidadãos e prefeituras consigam exercer os seus deveres e direitos, o que deve acontecer de qualquer forma.

Qual o cenário que o senhor observa das administrações públicas brasileiras, no que tange os serviços de atendimento ao cidadão?

Muita coisa tem que mudar. Existe uma burocratização muito grande, que parece ser inerente aos órgãos e gestores públicos, que às vezes parece existir apenas para criar barreiras para os cidadãos. Pela nossa experiência no setor privado, acreditamos fortemente que uma transição de um sistema desburocratizado para um sistema mais aberto, onde existe o diálogo entre seres humanos, no lugar de sistemas, não só é possível, como é crucial em todo relacionamento do tipo.

As prefeituras estão levando mais a sério as reclamações realizadas em plataformas tecnológicas?

Pelo nosso recente trabalho, podemos afirmar que sim! A aderência das prefeituras e órgãos públicos tem sido bem melhor, proporcionalmente, do que das empresas nos primeiros anos do Reclame Aqui, no setor privado. Com tantos cases de prefeituras com ações excepcionais nas redes sociais, por exemplo, seria uma grande contramão ignorar as plataformas digitais. O índice de solução de problemas (isso relacionado a órgãos públicos) vem aumentando? Com a crescente adesão, temos testemunhado uma grande crescente no índice de solução de problemas, claro, ainda em passos de formiga, mas acreditamos na grande mudança do setor público brasileiro.

Existe uma meta gerencial para esse quesito?

Ano que vem, com mais um ano de eleições vindo por aí, com a população indo para as ruas, exigindo os seus direitos, com a mobilização social do brasileiro na internet, eu acredito que temos uma grande oportunidade de fazer a diferença, e mais do que isso, fazer história.

No que o senhor acredita que pode contribuir para a evolução digital nas prefeituras do País?

Da mesma forma que o Reclame Aqui contribuiu na revolução do atendimento brasileiro, da transformação nas relações de consumo, acredito que possamos contribuir ativamente para trazer a nossa expertise para o digital das prefeituras também e trazer a mudança para os processos burocráticos, que já estão entranhados no alicerce político brasileiro.

O Reclame Aqui está aberto para dialogar com os prefeitos e orientá-los sobre os novos processos de atendimento ao cidadão?

Claro! Muitas prefeituras e órgãos já vieram conversar com a gente e procurar abrir o diálogo, como a própria Prefeitura de São Paulo. Temos funcionários concentrados justamente para orientar as prefeituras neste tipo de esclarecimento e voltados para dar atenção aos órgãos públicos. Além disso, temos um trabalho de treinamento que damos dentro das prefeituras, apresentando as nossas ideias de como melhorar os processos de atendimento ao cidadão.

Existe alguma cidade que é considerada exemplo, na sua opinião, no atendimento de demandas dos cidadãos?

Gosto muito do trabalho realizado por algumas prefeituras nas redes sociais, que vão na contramão do que todas as outras prefeituras têm feito, assim como a de Curitiba e todas as outras prefeituras que vieram a seguir. São trabalhos que engajam, atendem às demandas do cidadão, mas ao mesmo tempo não perdem o bom humor e a humanização.

O Reclame Aqui já fez parcerias com municípios brasileiros?

Como mencionei anteriormente, muitas prefeituras já vieram atrás da gente para entender a proposta do site, como atender e acima de tudo como atender melhor. Nessa lista, além de prefeituras, temos as PMs de alguns estados e outros órgãos já interessados e atentos às novas demandas do novo cidadão.

O senhor sabe como as organizações públicas de fora do País estão se portando frente às reclamações virtuais? O cenário é melhor do que o brasileiro?

Cada país tem a sua peculiaridade, portanto é muito complicado a gente comparar algo que acontece no Brasil, com algo que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, onde a relação política, desde o voto, é completamente diferente da que temos por aqui. Acho que temos que abandonar a síndrome do patinho feio, de que tudo no nosso País é melhor ou pior do que nos outros, e tentar começar a mudança dentro das nossas vidas e dos outros ao nosso redor.

Por fim, que dica o senhor dá ao prefeito que pretende estreitar a relação com seu munícipe. Dá para abrir mão da tecnologia?

A minha dica para os prefeitos e para os gestores públicos no geral é do investimento na verdadeira mudança. Não basta se propor a mudar e acabar fazendo as coisas pela metade. É necessário desconstruir toda aquela burocracia que já existe, todos aqueles processos, desmembrar tudo e ver quais são os processos que valem a pena e quais são os processos que podem ser jogados no lixo para beneficiar o cidadão, independentemente de qualquer tecnologia envolvida no meio do caminho. Mais do que a tecnologia, a palavra de ordem é MUDANÇA.

  • Robson Gisoldi