Oscar Schmidt fala à República sobre a falta de  políticas públicas para o esporte Brasileiro

Maior cestinha da história dos Jogos Olímpicos, e único brasileiro no Hall da Fama da Federação Internacional de Basquete – FIBA, Oscar Daniel Bezerra Schmidt é o maior nome da categoria, no País e, mesmo sem ter conquistado uma medalha olímpica, o ‘Mão Santa’ figura entre as grandes estrelas históricas do basquete mundial. Como atleta, era considerado exemplo de dedicação e profissionalismo. Em 2011, oito anos após encerrar a carreira, foi diagnosticado com um tumor no cérebro e, desde então, ‘joga’ contra a doença. No campo político foi secretário municipal de Esportes de São Paulo, em 1997 e, no ano seguinte, candidatou-se ao Senado Federal, mas não foi eleito. Há oito anos, ele faz palestras motivacionais, atuação que o levou a ser indicado por cinco vezes como um dos melhores palestrantes do Brasil, no prêmio Top Of Mind de RH. Na entrevista a seguir, Oscar Schmidt fala à Revista República sobre o incentivo público ao Esporte no Brasil, e a realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro, em agosto deste ano.

Revista República – Comente sobre a importância de políticas públicas no fomento ao Esporte.
Oscar Schmidt – É muito pouco, realmente é muito pouco. Porque os atletas de alto nível não têm grandes eventos onde possam aparecer, onde possam falar da sua experiência. Mesmo assim, ainda é muito melhor do que quando comecei a jogar, e não havia nada (incentivo). Hoje existe alguma coisa tipo bolsa atleta (governo federal), porque hoje, no Brasil, tudo tem sua bolsa.

Universidade Metodista

Qual a principal dificuldade que uma pessoa que deseja iniciar carreira no esporte, hoje, terá de enfrentar?
A principal é a falta de dinheiro, mesmo. Porque sem dinheiro é difícil fazer alguma coisa.

Não existe dinheiro, ou porque o esporte é menosprezado?
Porque o esporte é menosprezado. Eu sei porque vi de perto como os políticos tratam o esporte. Chega na página de esporte eles olham e jogam fora, e não deveria ser assim. Claro que existem outras atividades mais importantes, mas você não deveria tratar o esporte como se fosse nada, a não ser quando há medalhistas e os caras querem aparecer um pouquinho. Isso não é a parte legal do esporte. Então, geralmente, eu fico bravo mesmo com a política do esporte. Quando o cara acha que está fazendo alguma coisa e não está. O Brasil é grande demais.

Pode citar iniciativas de políticas públicas, nacionais ou internacionais, que fomentem o esporte? Na sua opinião, qual seria o modelo ideal de política pública de fomento ao esporte? 
Não tem. Os EUA, por exemplo, são um modelo inimitável, porque fazem o esporte nas universidades. Mas aqui no Brasil é muito difícil acompanhar esse modelo, não só no Brasil no mundo todo. Mas eles (Estados Unidos) estão fora do manual, o que você comparar com eles, nunca chegará perto. Na minha opinião, o americano seria o modelo ideal, mas não é possível comparar, porque eles estão anos luz à frente de todos os outros países. Porque eles fazem o esporte como deve ser feito, na escola. Afinal, é na escola que estão todos os novos talentos. Só para dar um exemplo, meu filho foi para os EUA jogar no High School, e foi campeão da Flórida – que é o maior título que você pode conseguir no High School. Ele foi campeão de 250 escolas, seis divisões, 50 estados, 12 jogadores. Faça uma multiplicação rápida e você verá quantos jogadores estão jogando basquete, só no High School. Aí você vai para a faculdade, e isso diminui muito, e depois é raridade quem consegue entrar em uma
liga profissional. Então, eu posso dizer que a formação do atleta americano é algo extraordinário, porque se você não for muito bom, não sobe os degraus.

Quando o senhor começou, quais foram as etapas percorridas?
Não tinha absolutamente nada. Eu vim para São Paulo com 16 anos, para morar em uma república e jogar basquete no Palmeiras. Não tinha nem comida, era raro a gente comer direito. Então era uma vida dura, de fome, e só quem tem muita vontade, mesmo, suporta uma vida desse tipo. Então, eu posso dizer que meu início de carreira foi um sacrifício tremendo. Hoje em dia, se o cara não tiver condições financeiras, ele não vai sair do lugar, não existem mais aquelas pessoas que gostavam do esporte e faziam por conta própria. Hoje é muito difícil um menino explodir no esporte. Algum dia você já passou na rua e viu um cara grande andando? Aquele cara poderia ter sido um grande jogador de basquete ou vôlei, mas ele está perdido, e não existe quem localize essas pessoas, esse é o maior problema do esporte brasileiro. Você não consegue identificar quem são os caras bons. Aí tem os clubes, mas, quantos caras bons têm nos clubes, e quantas pessoas têm acesso aos clubes? Então, é muito pouco para o tamanho do Brasil, e isso é difícil de mudar, e provavelmente não vai mudar nunca, porque com essa bagunça que está na nossa política imagina que alguém vai pensar no esporte.

 

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Fale sobre a importância de enxergar o esporte como agente atenuante de problemas sociais (como a  violência, desrespeito, marginalização, evasão escolar e indisciplina), e ainda como um excelente meio de promoção de  saúde e prevenção de doenças.
Sem dúvida é um agente transformador. Porque a criança e o adolescente que faz esporte, convive com gente boa, está fazendo uma coisa  boa, e provavelmente não será uma pessoa do mal, será uma pessoa do bem, em 99% dos casos. Muito se fala em tirar as crianças da rua,  mas para isso acontecer tem que ser por meio do esporte, não vai ser com aula de música, ballet, etc. A criança quer brincar com bola,  correr atrás de uma bola é divertido.


O senhor já ocupou cargos públicos? Se sim, quais os principais desafios que enfrentou? Ocuparia novamente?

Já, maldita hora que eu fiz parte. A única coisa boa foi abrir três centros 24 horas, em São Paulo, onde as pessoas só precisavam marcar  hora pra vir brincar, gratuitamente. De sexta a segunda você não achava horário, ficava tudo lotado. Aí, o secretário de Esporte que me  sucedeu, fechou os espaços, alegando que estavam roubando bolas. Falei: poxa, mas o objetivo e esse. Os ladrões estão lá brincando de bola e daqui a pouco vão parar de roubar bolas. A verba é enorme, compre mais bolas. Mas eu também vi muita coisa errada, e preferi não continuar. Fiquei um ano como secretário de Esporte da Prefeitura de São Paulo, durante o ano de 1997. Na minha opinião era uma coisa ótima, tinha campeonato de taxistas, garçons, os caras acabavam o expediente e iam jogar. Eram três modalidades: vôlei, basquete e futebol de salão. Mas fecharam porque estavam roubando bola. Aí eu desisti, porque a política realmente tem muita coisa errada. Eu tinha sonho de ser presidente da República, e esse sonho acabou em 98. De lá para cá não me meto com mais nada de política. Não me chame, porque você vai ouvir um sonoro não.

O senhor viajou o mundo jogando, principalmente na Espanha e Itália. Comente sobre o nível brasileiro em relação à estrutura oferecida para a prática esportiva, comparado com países que conheceu.
Eles (europeus) têm menos que a gente. Não vou dizer que não temos esporte nas nossas escolas, porque tem um pouco, eu mesmo joguei campeonatos colegiais, universitários, mas é muito pouco. A Itália e Espanha também têm, mas, menos do que nós.

Se o senhor tivesse o poder de apontar o que deveria ser feito no esporte brasileiro, por onde começaria?
Começaria em todos os estados, com as federações de esportes. Se tem federação de todos os esportes, nos estados, o que elas estão fazendo lá? Estão lá para organizar campeonato nacional? E quem não tem atleta profissional, faz o quê? Federação de Basquete deveria fazer torneio de basquete público, para as crianças das favelas. Pede para os chefes das comunidades montarem um time de basquete, vôlei, atletismo, e daqui dois meses começam as competições. Ideia mais básica que essa, não existe. Imagina como faz um menino de Roraima para jogar basquete? Eu sempre recebo e-mails desses meninos perdidos pelo Brasil, e eu direciono para um técnico amigo meu, que também não fará grandes coisas, porque não existem órgãos de apoio. Quem vai pagar as despesas desse moleque para vir treinar?

Há de fato desinteresse por parte do poder público quando o tema é esporte?
A verdade é que há desinteresse. Para que existem o Ministério de Esporte e as secretarias de Esporte? Para fazer esporte a quem? Imagina a Secretaria de Esporte do Mato Grosso do Sul? Coitado do menino que fica patinando lá, o horizonte dele acaba ali. Eu queria jogar na Seleção Brasileira, e para mim foi muito diferente, mas porque eu tinha o talento necessário para preencher todos os requisitos para jogar na competição mais forte do País. Mas, estou falando de mim, agora vamos falar do menino de Ponta Porã, que veio jogar em São Paulo, jogou bem no Palmeiras, mas o time não oferece nada. Como ele iria pagar passagem, comer, beber e estudar?

O senhor sugeriu que as federações fizessem os campeonatos amadores, mas como vê esses escândalos de corrupção dentro das federações e confederações? Sendo um ídolo do esporte, como enxergou todo esse caso de acusações e corrupções envolvendo confederações esportivas brasileiras?
A pior coisa no esporte é um dirigente, que se torna presidente, não sai nunca mais do cargo, e você tem que ganhar dele no voto. Porque não existem limitações jurídicas de eleições dentro das federações, o presidente pode ficar para o resto da vida, se quiser. Isso é danoso não só para o esporte. Aí, nós, atletas, que queremos fazer as coisas, nos vemos diante de situações nas quais é quase impossível de caminhar.

Na sua opinião, o Poder Público cumpre seu papel?
Se cumpre, cumpre muito mal.

O senhor acredita que a candidatura do Brasil para sediar as Olimpíadas foi um ‘passo maior que a perna’?
Não. Meu sonho de vida era jogar uma competição desse nível, no Brasil. Mas não foi possível e agora tenho muito orgulho de o Brasil sediar uma Olimpíada. Certamente irei torcer pelos brasileiros que competirem. Mas, o Brasil, se olharmos por A mais B, não tem condições de fazer uma Olimpíada, muito menos uma Copa do Mundo. Por que para uma competição, que geralmente tem oito sedes, nós fizemos 12? Acho que somos o único país da história que construiu 12 sedes. Nossos estádios são maravilhosos, mas estão lá mofando; se não for um show do Rolling Stones, para ocupar esse estádio, ele fica mofando.

A Olimpíada pode ser um grande agente transformador do esporte brasileiro, como alguns acreditam?
Com certeza será, porque muitas obras de mobilidade, sobretudo que estão sendo construídas no Rio de Janeiro, refletirão na cidade. O Rio de Janeiro, por exemplo, será uma cidade muito melhor depois da Olimpíada. No ano seguinte haverá uma série de eventos, mas depois isso vai diminuindo, até acabar. O mundo do esporte é um mundo muito feio.

 

02_oscarPor que o senhor acha que grandes talentos, como o senhor próprio, são tão raros no esporte brasileiro, especialmente fora do futebol?

Porque o começo, que é onde você se desenvolve e aprende fundamentos, é muito mais difícil. Eu tenho até sugestão de substituir as aulas de Educação Física por aulas de Esporte, selecionar os alunos pelo biótipo. Que haja aulas de Educação Física, mas que pelo menos duas vezes por semana façam aulas de esporte. O que se aprende jogando queimada? Handebol é o esporte mais praticado no Brasil, você sabia? Não, porque o País começou a se desenvolver nesta modalidade há pouco tempo. E, coincidência ou não, o Brasil foi campeão mundial de Handebol, porque algum gênio, no meio das federações, viu algo que até então só os esportistas sabiam, e resolveu criar uma seleção forte de Handebol. Então, a visão esportiva deixa muito a desejar, infelizmente. Quando o cara vira um fenômeno todo mundo quer tirar foto com ele, mas será que essas pessoas sabem como ele construiu a carreira?

Qual conselho o senhor daria para os prefeitos novos, que iniciarão sua gestão em 2017?
Se ele falar apenas sobre Esporte, as pessoas vão questionar sobre a Segurança, Educação e Saúde. Então ele não vai conseguir, nem por meio de estatísticas, porque não existem dados que comprovem a eficácia do Esporte, na parte social. É difícil o mundo do esporte no Brasil.

Que conselho daria para o atleta que está começando hoje?
Que ele treine sozinho, porque a ajuda será muito pouca. Se ele gosta de correr, vá treinar sozinho, corra descalço, ou como conseguir, porque não vai conseguir nada com patrocínio. Treine do jeito que der para treinar, porque algum dia alguém pode ver; só que, quanto mais distante dos centros onde se pratica bem o esporte, mais difícil. Porém, oriento a não desistir. Se é o que se quer fazer, vá fazer. E, quando chegar à idade de escolher qual faculdade cursar, decide-se se vale ou não a pena continuar. Na maioria dos casos não vale a pena.

O que aconteceu no seu caso?
Eu dei sorte de encontrar uma pessoa que me dava treinos de coordenação, porque eu era totalmente descoordenado. Nesse clube de Brasília, em que eu treinava, já era absurdo eu ter entrado porque eram poucas vagas, mas como eu era maior que os outros, me deram essa chance. Ele vinha todos os dias comigo, e me passava exercícios de coordenação, como colocar uma pedrinha no chão – e eu tinha que driblar com uma mão e pegar a pedrinha com a outra -, ou colocar cordas nas cadeiras, e eu tinha que passar por cima e por baixo das cordas, driblando. Um dia estava arremessando e ele me perguntou: Oscar, você enxerga a cesta? Eu disse que não, e ele falou: sobe a mão, que você vai enxergar. Eu respondi que daquele jeito não acertaria nenhuma bola, e ele falou: um dia você acerta, comece fazendo o certo, que um dia você acerta. Esse técnico era um japonês chamado Myura, ele era técnico da categoria infantil, imagina quanto ele ganhava? Ele devia trabalhar de graça, praticamente. Quantos atletas têm uma pessoa assim? E rapidamente eu cresci, os técnicos me colocavam lá no meio só para eu atrapalhar os jogadores, por conta do meu tamanho. E foi assim que começou minha carreira, num acaso absurdo. Meu professor de educação física do Colégio Salesiano era técnico do Unidade Vizinhança, e por uma coincidência eu fui parar lá, e depois vim para São Paulo. Tive que jogar várias vezes com a seleção de Brasília, para alguém me ver. E foi assim. Mas imagina isso, no Brasil.

Como o senhor vê a chegada de técnicos estrangeiros para atuar no Brasil? Afinal, no futebol existe certa resistência em aprender com os estrangeiros. 
Eu acho bom, porque eles sempre terão algo a mais para nos ensinar. Agora, se eles vão se desenvolver e ser vencedores aqui, não sei. Então acho ótimo que venham mais técnicos estrangeiros fazer o papel deles aqui, porque não? Eu joguei por 13 anos na Europa, e agora vou ser egoísta de pensar que era só para mim?

Mas, é um trabalho que começa ao contrário – do topo da pirâmide para baixo, será que mesmo assim ele consegue atingir bons resultados?
Em alguns casos consegue. Por exemplo, no basquete, o técnico da Seleção Brasileira é argentino. É difícil falar um negócio desses, mas tem que falar, porque o Brasil não foi para três Olimpíadas seguidas, até esse técnico chegar e classificar o Brasil para as Olimpíadas. Ele fez um tremendo serviço para o basquete brasileiro. Mas,
depois não ganhou mais, e continua lá. Em qualquer outro lugar do planeta, esse cara já teria sido mandado embora, mas no Brasil, não.

Então, o senhor acredita não só na alternância das federações, mas das comissões técnicas, também? 

Sim. Se você vence ou disputa sempre, você fica. Mas, se você não vence, para que serve? O primeiro lema do esporte é vencer, ou pelo menos disputar a vitória, aprendi isso com 13 anos. Se você não vence, não tem porque estar ali. Afinal, tem outro na fila, que pode estar no seu lugar.

 

• Felipe Menezes e Marianna Fanti