Rio Branco, capital do Acre, é a cidade brasileira com maior proporção de ciclovias em relação à malha viária, de 9,7%, e 110 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas em funcionamento
• Fernanda Bertoncini
O debate sobre implantação de opções de mobilidade urbana para o bem-estar social e ambiental em várias cidades do Brasil vem ganhando espaço e destaque no planejamento de infraestrutura das administrações públicas.
Com o crescente aumento do número de carros trafegando nas ruas e avenidas do País, o impacto ambiental provocado pela emissão de gases poluentes afeta o cotidiano de milhares de pessoas diariamente, além de
provocar alterações dramáticas no ecossistema, como o aquecimento global.
Gestores públicos despertaram, nos últimos anos, para a necessidade de incluir as bicicletas como alternativa de locomoção, destinando espaços seguros para a mobilidade da população que adota este meio de transporte.
Em linha com os benefícios imediatos associados ao uso da bicicleta, Rio Branco, capital do Acre, vem despontando
como modelo entre as cidades que incentivam o tráfego seguro, a partir de investimentos direcionados ao planejamento cicloviário. Desde 2006, a prefeitura da capital acriana começou a implantação de 60 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas, como teste para a criação de vias exclusivas para o uso da bicicleta.
A iniciativa fez com que o município se tornasse atualmente a cidade brasileira com maior proporção de ciclovias em relação à malha viária (9,7%) e ao número de habitantes 6.003 habitantes/quilômetros. Com cerca de 160 quilômetros de vias cicláveis projetadas e mais de 110 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas já em funcionamento
para um total de 350 mil habitantes, a previsão segundo a administração municipal, é que até 2017, a cidade totalize uma malha cicloviária de 113 km, incluindo os trechos das rodovias.
Especialistas e adeptos reconhecem que o uso de bicicletas vem ganhando espaço e chamando a atenção de gestores públicos em todo o País. “Mobilidade urbana sustentável é a integração inteligente de vários modos de transporte urbano, com a maior eficiência e conforto possível para os passageiros, e o menor impacto ambiental para os espaços urbanos”, explica Ricky Ribeiro, diretor executivo do Mobilize Brasil, o primeiro portal brasileiro destinado a discutir o tema. Entretanto, eles apontam que a introdução das bikes como meio de transporte ainda esbarra em fatores como coragem política para enfrentar o “senso comum”. “Os gestores e parlamentares precisam entender que a bicicleta é um modal viável, socialmente inclusivo, sustentável e benéfico às cidades e aos cidadãos.
A aplicação de recursos em infraestrutura cicloviária deve deixar de ser vista como “despesa” e “desperdício” e passar a ser entendida como investimento”, pontua Willian Cruz, editor do portal Vá de Bike, que aponta para grandes cidades do mundo que aplicam esse modelo e já percebem que o investimento retorna de diversas formas.
“Desde o aumento na qualidade de vida até a redução de acidentes de trânsito, do congestionamento e suas consequências econômicas, do custo de manutenção do viário e dos gastos com saúde pública”, adiciona Cruz, que cita Rio Branco como destaque pela abrangência da malha, razoavelmente interligada, em relação ao tamanho da cidade.
Metodologia
O diretor de Trânsito da RBTRANS- Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Rio Branco, Marcos Lourenço, diz que em 2007, o Plano Diretor de Transporte e Trânsito – PDTT de Rio Branco buscou requalificaras vias existentes segundo novos critérios de segurança ao ciclista, considerou a implantação de mais 100 quilômetros de vias cicláveis e melhorou as calçadas da cidade, além de ampliar a malha viária e padronizar a sinalização no sistema. Criado a partir de um diagnóstico da situação da mobilidade na cidade, da modelagem dos transportes e da elaboração e avaliação de diferentes cenários de demanda e oferta, o projeto realizou um estudo prévio de toda a dinâmica urbana e das características físicas e legais do sistema viário e de trânsito. Incluiu também análise do sistema de transporte público e do transporte não motorizado, além das características socioeconômicas da população e do contexto do uso do solo na cidade. Assim, o plano buscava tratar o transporte não só como indutor de urbanização, mas, principalmente, como homogeneizador do espaço. Dessa forma, foram propostas diferentes intervenções, que abrangeram todos os modais existentes: não motorizados (pedestres e ciclistas) e motorizados (individual – automóveis e motocicletas- e coletivo – ônibus). “Há diversos grupos de esportistas e amantes do modal que utilizam desta infraestrutura, bem como os usuários de fim de semana, que “ciclam” por lazer. Contudo, a maior demanda de pessoas utilizando bicicletas é o da classe trabalhadora, sobretudo operários da construção civil e de pequenas indústrias, posto que a maior parte das ciclovias está disposta nas regiões periféricas, onde está a população mais carente, que geralmente opta pela bicicleta para economizar nos gastos com transporte público”,estima Lourenço.
Investimento e infraestrutura
O diretor da RBTRANS destaca o fato de o município iniciar os investimentos em infraestrutura para transporte não motorizado antes de ter problemas com mobilidade, ao contrário das cidades referências em malha cicloviária e utilização de bicicletas. “Desde 1994, o poder público municipal e estadual tem viabilizado com grande ênfase a implantação de ciclovias ou ciclofaixas nos projetos de sistema. A Via Chico Mendes, importante avenida da cidade, teve seu canteiro central transformado em uma ciclovia iluminada, sinalizada e ajardinada, que segue até as rodovias que ligam a cidade ao interior, à Bolívia e ao Peru”, exemplifica. Em Rio Branco, todo o sistema viário segue uma lógica de distribuição, permitindo aos ciclistas trafegarem nas vias menos transitadas por veículos, possibilitando o acesso aos principais pontos de interesse da população, a exemplo da área central da cidade, universidades e terminais de transporte coletivo. Desde então, a Superintendência de Transporte e Trânsito enfatiza e dá prosseguimento aos projetos de ampliação e manutenção da sinalização da malha cicloviária, com planejamento de investimento direcionado ao transporte não motorizado em todas as obras de infraestrutura viária.
Para Willian Cruz, do site Vá de Bike, a construção de infraestrutura específica, como ciclovias, ciclofaixas e bicicletários é extremamente importante. “O ideal é que essa estrutura seja o mais espalhada possível, formando uma malha que forneça segurança em toda a cidade, com especial atenção às avenidas com tráfego mais rápido ou pesado”, pontua.
O especialista destaca, ainda, a importância das administrações públicas desenvolverem campanhas de conscientização para esclarecer a quem dirige que a bicicleta é um veículo, tem direito ao uso da via e que as pessoas que as utilizam precisam ser protegidas por quem está num veículo maior. “É fundamental esclarecer, também, a quem pedala, quais as condutas mais adequadas e seguras para o uso da bicicleta nas ruas. O próximo
passo é fiscalizar e punir quem colocar em risco a integridade física das pessoas que circulam em bicicletas – algo que é feito em São Paulo desde 2012”, destaca. O uso de bicicletas, além de representar menos emissão de poluentes, menos congestionamentos e menos mortes no trânsito, oferece benefícios à saúde e sensação de bem-estar ao ciclista.
“O ciclismo tem baixo impacto no meio ambiente, transmite bem-estar e você ainda evita os engarrafamentos, podendo aproveitar ao máximo as paisagens da cidade”, contextualiza Lourenço, além de destacar outros benefícios como a melhora da frequência cardíaca, aceleração do metabolismo, auxilia na redução do colesterol e na perda de peso, além de configurar uma atividade social, que pode ser praticada com amigos e familiares.
O be-a-bá das ciclovias e ciclofaixas em Rio Branco
Foram realizadas intervenções para abranger todos os modais existentes na cidade: *Calçadas: passaram por manutenção e melhorias, priorizando o entorno dos principais corredores de ônibus e áreas comerciais de forma a consolidar as áreas mais densas, inclusive com instalação de iluminação noturna.
*Programa de acessibilidade de pedestres: modificou o foco da cidade para o pedestre e o ciclista, priorizando intervenções nos eixos viários, nas áreas comerciais e no entorno dos terminais, onde se concentram a maior parte do deslocamento de pedestres. Também foram propostas e instaladas “ruas de convivência”, onde a circulação de pedestres e automóveis é de baixa intensidade. Além disso, outra proposta inovadora para a cidade envolvia a adaptação de alguns cruzamentos com elevação da via à altura da calçada, obrigando o motorista a reduzir a velocidade e proporcionando maior segurança aos pedestres, como se a rua acabasse e a calçada continuasse nos cruzamentos.
*“Ruas de convivência”: o conceito objetiva a criação de espaços de convivência compartilhada e harmoniosa, com integração entre os modos de locomoção e transporte, nas vias secundárias da cidade. O conceito é para que a via seja de um só nível, aumentando a área útil do espaço. Nelas, a delimitação dos usos (estacionamento, área de lazer), é determinada pelos próprios equipamentos urbanos (faixas, postes, árvores e bancos).
*Bicicleta: um dos objetivos é propiciar a circulação cicloviária com conforto e segurança em toda a cidade, prevendo o acesso por bicicleta aos principais centros de serviços da cidade e possibilitando os deslocamentos entre as principais atividades rotineiras (casa-trabalho e casa-escola).
*Transporte coletivo: Rio Branco é a menor cidade do Brasil com sistema de bilhetagem eletrônica. Foram propostos oito terminais e três pontos de conexão em localidades estratégicas da cidade, de forma a conectar diferentes linhas (troncais/estruturais e alimentadoras/locais) e eliminar a concentração do transporte em um ponto único da cidade (no centro).
*Na cidade, existe uma ponte estaiada para travessia exclusiva de pedestres e ciclistas. *O Parque da Maternidade, criado de forma estratégica como um parque linear no centro da cidade, possui ciclovias em toda sua extensão e dele saem outros parques lineares, que se encontram com novas ciclovias e ciclofaixas, proporcionando uma alternativa ao ciclista para evitar as grandes avenidas.