OBRA DO ARTISTA PLÁSTICO EDUARDO SRUR INTERAGE COM O AMBIENTE E O PÚBLICO E ESTÁ EM CONSTANTE ESTADO DE MUDANÇA

> Um homem-máquina. Esta imagem tem feito parte das reflexões do artista plástico Eduardo Srur sobre si mesmo e sua produção. A analogia com engrenagens frenéticas, mas azeitadas e de funcionamento harmônico, veio através de um amigo do artista. Sem dúvida Srur tem uma incrível inquietação criativa e produtiva. Paulistano de 41 anos, Srur expõe a céu aberto obras que provocam reflexões e reações diversas, o que faz delas intervenções em permanente estado de mudança. Diante do impacto de suas instalações urbanas, é natural a constatação de que somos agentes e também receptores do meio social, ambiental, político… Interagimos com Srur, o tempo todo.

Por isso a diversidade de temas e a urgência do artista em não parar. Trata da poluição dos rios, consumo, mobilidade urbana, geração de lixo e até da própria arte. Além dos cenários na capital paulista, Srur já participou de exposições em muitos países, entre eles Cuba, França, Suíça, Espanha, Holanda, Inglaterra e Alemanha. Através da empresa Attack Intervenções Urbanas, cria projetos especiais. O diálogo entre o cidadão e seu espaço está aberto. Dá pra sentir tudo. Menos indiferença.

Universidade Metodista

Revista República – Como foi sua infância e juventude em São Paulo? Quando começou sua inquietação com a realidade da cidade? 

Eduardo Srur – Influenciou bastante o deslocamento que fiz durante muito tempo entre São Paulo e Buenos Aires, onde morei também. Ficava viajando muito. Este deslocamento, a chegada a São Paulo, as mudanças que ocorriam nos centros urbanos podem ter influenciado a maneira como via a realidade, impactado a forma como vejo o mundo. Aí, quando montei meu escritório em frente ao rio Pinheiros, nos anos 1990, começa uma outra relação com a cidade.

Então, o rio Pinheiros foi o motivador para as instalações com foco ambiental?

Não imediatamente. Antes eu fiz a intervenção Acampamento dos Anjos, que eram barracas coloridas instaladas em edifícios e construções. Naquele momento foi um interesse que tinha a ver com o espiritual. As questões urbanas vieram depois. Primeiro veio o interesse poético, espiritual, e depois começo a me interessar pelas questões do homem com o meio ambiente.

Defina Eduardo Srur e sua arte. 

Nada mais difícil do que definir a si mesmo. Do ponto de vista artístico é amplo, um conceito de arte que rompe as fronteiras do institucional e estabelece um diálogo com o coletivo. Daí a ideia de cutucar um problema. Sou movimentado pelo coletivo; minhas questões pessoais são menos importantes hoje. O que me interessa é ter ressonância com o coletivo, uma estratégia de um artista inserido no sistema o qual confronta. Existe uma provocação ao sistema.

É possível ter controle sobre a obra quando ela está no espaço público e gera manifestações espontâneas?

A questão é justamente trazer o público para o jogo. Eu crio uma obra aberta em que posso trazer outros participantes. Não estou entregando uma proposta fechada em si mesma. Esta provocação que eu faço é para as pessoas se aproximarem, refletirem, concluírem algo. O artista não responde. Ele pergunta. A arte não é hermética. A minha  produção artística caminha com a dinâmica da cidade. Isso é uma mágica, um componente importante da arte, e é a vida de fato. Levar  as intervenções ao espaço público cria esta dinâmica. Você tem uma estratégia de controle, mas quando a obra vai para a rua isso se perde um pouco. Na obra Touro Bandido, que foi uma ação não autorizada, acabei na delegacia. O touro foi apreendido. Já na instalação dos caiaques (tripulados por manequins) no rio Pinheiros, em São Paulo, a obra acabou encalhando numa ilha de lixo, o que não estava previsto e alterou a composição da obra. Isso não se controla.

Mas, por ser dinâmica, a arte urbana muda comportamentos?

A arte urbana tem comunhão com a velocidade da cidade e de seus habitantes. Eu utilizo o contexto da cidade nas minhas obras e isso muda um olhar para algo e é capaz de mudar o comportamento naquele momento. Depois, se esse impacto vai permanecer dependerá da capacidade de cada um de manter essa mudança.

Quantas intervenções já realizou e qual das instalações foi a mais marcante para você. Por quê? 

Não sei quantas intervenções realizei, eu nunca contei. O que tenho é uma troca com os trabalhos, mas ele é um só. As obras não acabam na exposição, é uma linha tênue que vai costurando tudo. O ritmo de trabalho é rápido. Tenho pressa e urgência.

Como é seu processo criativo? É mais comum surgirem intervenções espontâneas ou atualmente trabalha mais por projetos especiais através da Attack? 

Muitas vezes, o local me escolhe, alguém da equipe propõe um trabalho – e eu costumo ouvir muito quem trabalha comigo –, e às vezes é um insight. Na verdade em qualquer momento da respiração algo pode começar e depois tem que inserir o trabalho nos 99% restantes deste processo. credito mais no trabalho do que em uma luz inspiradora. É espontâneo e impreciso. Ao mesmo tempo tenho um braço, que é a empresa Attack; ela me oferece estrutura para a produção de meus trabalhos autorais, mas também pode estar a serviço da economia criativa, de uma agência de marketing que queira sair um pouco
da caixa e desenvolver projetos diferenciados para o interesse em comum.

Você acha que por não ser um “artista de galeria” existe resistência da crítica e de outros artistas à sua arte?

Acho mais fácil dizer o seguinte: você tem uma bolha, um círculo, e dentro dele há o pequeno circuito da arte: elitizado, provinciano, que dá muito pouca oportunidade ao volume de artistas que a sociedade pode fornecer. E num círculo muito maior está a sociedade. Minha arte está na sociedade e eu não preciso do circuito da arte. O artista tem que interpretar aquilo que ele tem vontade de fazer. Eu realizo exposições na cidade. Mas posso também realizar em galerias. E depois a crítica de arte já não é mais a mesma. Perdeu o papel, está reduzida a releases porque as pessoas têm pressa. O que eu tenho de fazer é ter condições para criar o máximo que puder.

Em resumo: você trabalha o tempo todo… 

Um amigo disse que sou uma máquina (risos). Não posso ficar passivamente esperando o circuito da arte se manifestar. O artista tem que tomar a arte para si e ter capacidade de criar seu próprio destino. Não pode ficar na mão de um agente. Há poucos espaços para a arte, poucos recursos. Isso limita a sua energia como artista. Digo que se eu não for bom artista nesta vida, serei curador na próxima (risos). Cabe eu ser um bom artista agora porque é o melhor papel que eu posso ter. É meu carma.

Já teve problemas por ter realizado intervenções não autorizadas? Quais foram e o que aconteceu?

Tem intervenção que, se autorizada, enfraquece o conceito da obra. Muitas vezes, eu tenho que gerar um problema para que o trabalho fique mais forte depois. Foi o caso da intervenção em Brasília (A Arte Salva), por exemplo.

Conte como foi a intervenção Supermercado em que usou seu próprio corpo como ferramenta para manifestar-se contra a inércia frente ao consumo e à alimentação. 

Eu sempre me uso como instrumento. Só que neste caso foi mais explícito. E também tem a ver com uma visão da pintura – que é bem marcante na minha produção –, apesar de não ser tão claro.

Já tratou de consumo, meio ambiente, política e muitos outros temas nas suas intervenções. Existe um “objeto do desejo” nas cenas urbanas de Eduardo Srur?

O mais importante é continuar trabalhando e criar condições para que eu seja uma pessoa íntegra no meu trabalho. Acho que esta conversa mostra uma vontade de ter condições para trabalhar e trazer uma forma diferente de as pessoas enxergarem a sociedade, a possibilidade de sair um pouco de uma anestesia e propor um novo olhar em relação ao mundo, às coisas. Outro dia eu me fiz esta pergunta: Onde quero chegar? Não sei. Isso é ruim, não acha?

Talvez não. Talvez seja isso mesmo. Ir para onde a sua inquietação te levar… 

Talvez seja um problema e talvez a questão da máquina seja pertinente (risos). Eu não tenho tempo para pensar nisso. Criei uma engrenagem com olhar para o presente e a urgência está aqui, no meu dia.


Trampolim

Local/Ano: São Paulo, 2014ed22_arte_ativismo_trampolim
O quê: Esculturas e pintura artística em dimensões variadas representando personagens com características realistas posicionados na ponta de pranchas azuis. Tinham por objetivo aludir à impossibilidade de mergulhar ou nadar no rio Pinheiros devido à poluição. A resposta da cidade foi imediata: 300 ocorrências no Corpo de Bombeiros, selfies e grande número de posts nas redes sociais, mídia espontânea. Uma das esculturas levou um tiro de revolver e outra teve a cabeça decepada. Todas estas transformações foram incorporadas ao trabalho.

 

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Caiaques

Local/Ano: Rio Pinheiros/São Paulo/2006
O quê: Dezenas de caiaques coloridos e tripulados por manequins foram dispostos sobre as poluídas águas do rio Pinheiros, em São Paulo. A intenção era lembrar as pessoas da existência de um espaço abandonado da metrópole. A intervenção recriava as atividades de remo promovidas pelos clubes paulistanos até a década de 1920. Na última semana de exposição, uma imensa ilha de lixo encalhou os caiaques e alterou a composição da obra.

 

ed22_palmitoPalmitos
Local/ano: Parque Villa Lobos/São Paulo, 2008
O quê: Instalação com 3 mil frascos de palmito em conserva de origem ilegal, apreendidos pela Polícia Florestal na fronteira do estado de São Paulo. O alimento foi extraído ilegalmente da mata e armazenado em frascos coletados em lixões, com água contaminada e sem os mínimos cuidados de higiene. A convite da Secretaria do Meio Ambiente, Srur criou uma obra visual no Parque Villa Lobos com esses palmitos, que estavam armazenados em um depósito do governo. Depois da exposição, o material foi incinerado.

A Arte Salva
Local/Ano: Congresso Nacional/Brasília/2011
O quê: A intervenção não autorizada lançou 360 boias salva-vidas no espelho d’água em frente ao parlamento. As boias de plástico foram numeradas e adesivadas com a frase ‘’A arte salva’’ durante uma oficina organizada com os alunos da Universidade de Brasília (UnB). A ação mostrava a arte como uma possibilidade de salvamento e resgate da consciência cívica. Questionado sobre o motivo de não ter pedido autorização, Srur respondeu: “o Congresso é a ‘casa do povo‘, e a arte transcende a política”. Essa intervenção era apartidária; um presente da sociedade para o Congresso Nacional. 

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Carruagem
Local/Ano: São Paulo/2012
O quê: A intervenção Carruagem foi feita para provocar um questionamento sobre os problemas de mobilidade nos grandes centros urbanos. Formada por uma réplica de uma carruagem imperial e por quatro cavalos esculpidos em escala real, a intervenção foi instalada a mais de 30 metros de altura no mastro da ponte Octávio Frias de Oliveira (ponte Estaiada), na marginal Pinheiros, em São Paulo. A obra comparava a velocidade média de deslocamento de um carro no trânsito paulistano no horário de pico com a velocidade de uma carruagem nos tempos do Império. 

Toro Bandido
Local/Ano: av. Paulista e av. Faria Lima, São Paulo/2010
O quê: Esculturas de touros se apropriaram das vacas do evento Cow Parade, nas avenidas Paulista e Faria Lima, em São Paulo, para questionar o conceito da exposição que é considerada o maior evento de arte pública do mundo. Srur diz que na sua representação a vaca ficou estéril como objeto de reflexão, e o touro fazia uma inseminação artística nela. Por tratar-se de uma ação não autorizada, Srur respondeu a inquérito policial e o touro foi apreendido. 

Supermercado
Local/Ano: Performance dentro de um Supermercado/São Paulo/2012
O quê: Instalação multimídia (vídeo de Fernando Huck) em que Eduardo Srur faz a performance. Formada por prateleiras repletas de alimentos manufaturados e monitores, espelhos e um sistema de áudio, a composição traz a condução de um carrinho de compras e o consumo dos produtos das gôndolas diretamente sobre o corpo do artista. A obra revela nossa cultura de excesso e desperdício em relação à comida. Recria de forma simbólica a relação humana, muitas vezes distorcida e distante da natureza, dos alimentos e do próprio corpo. O convite à participação das pessoas celebra o encontro entre o público, o artista e sua obra, mas, essencialmente, transforma o espectador em cúmplice da ideia central da instalação: o impulso de consumo que domina a sociedade contemporânea. 

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Labirinto
Local/ano: Parques de São Paulo/2012
O quê: A intervenção foi exibida nos principais parques públicos da cidade de São Paulo: Ibirapuera, Villa Lobos, da Juventude e Ecológico do Tietê. A obra foi construída com 100 toneladas de materiais recicláveis (400 fardos de lixo reciclável com garrafas de refrigerante, copos e embalagens plásticas, papelão, latas de alumínio, cabos de aço e espelhos plásticos), formando um labirinto de composição geométrica e dois acessos para circulação do público em seu interior. Todo o material utilizado nas exposições foi captado em cooperativas de reciclagem da cidade e depois devolvido. Foram feitas visitas guiadas com deficientes visuais para ativar outros sentidos como o tato, o olfato e a audição. O espectador era convidado a entrar no labirinto em busca da saída entre as paredes de resíduos sólidos. 

Mariangela Devienne