MESMO SEM TER RETORNO FINANCEIRO, QUATRO BANDAS DE ROCK DO ABC E SÃO PAULO FAZEM SUCESSO COM SHOWS ATÉ FORA DO BRASIL

> Se o rock autoral sobrevive no Brasil, os méritos vão para músicos que não ganham dinheiro com a sua paixão. Ter uma banda independente, com influências do hardcore e punk, por exemplo, não traz o retorno financeiro dos sonhos. Isso se deve, entre uma série de fatores, à falta de divulgação da mídia tradicional e a outras preferências do público.

Das quatro bandas apresentadas nesta reportagem e que são respeitadas no meio onde atuam, apenas uma trata a música como profissão. No entanto, todas compartilham ideias semelhantes quando o assunto é o som que escolheram fazer e o cenário do rock nacional, em especial o autoral ou independente.

Universidade Metodista

“Ganhar dinheiro é preciso, mas sempre tivemos em mente que o rock autoral (aquele sem repertório cover) está falido”, aposta o vocalista da andreense Sentimento Carpete, Felipe Bigliazzi.

O músico diz não se importar com o futuro financeiro nada promissor. A banda da qual faz parte nasceu em 1999, quando conheceu o atual baterista, Nato. Ambos curtiam o rock pesado, trocavam discos de metal e punk. “Fazemos música autoral num estilo próprio, que não se encaixa em nenhuma tribo. Músicas verdadeiras, sobre fatos verídicos e a podridão humana que fazemos parte”, descreve Bigliazzi.

O Sentimento Carpete se orgulha de ter feito um tour na Argentina em 2013. “Lá, o rock tem mais aceitação social. A molecada ainda se mobiliza, lança discos, organiza festivais. Um pouco do que vemos com o futebol acontece na cena roqueira: resistência, identidade e amor pelo bairro”, diz. A banda compôs cerca de 40 músicas nesses anos de estrada, mas, justamente pelo conteúdo apresentado, não sai daquele grupo fiel de fãs.

Em alguns casos, a paixão pela música está dentro de casa. O núcleo da Leeds, com integrantes também do ABC, é a família Paiva. Renan se apresenta como vocalista e toca guitarra, enquanto o irmão, Willian, é baterista. O baixista Leandro Sant´Ana fecha esse
time, enriquecendo uma formação que tem uma história de respeito construída em apenas três anos.

“Tocamos na Rádio 89 FM, no programa “Temos Vagas”, que abria espaço para bandas independentes. Isso com apenas dois meses de vida, e foi um grande feito para nós. Tivemos destaques em outros festivais, tocamos nos lugares mais importantes da nossa cidade (Santo André), como no Parque Central, Concha Acústica e Sesc. Também fizemos dois grandes shows no litoral Sul, na cidade de
Itanhaém, onde conseguimos um destaque importante”, conta Renan. No caso deles, os cachês pelos shows já são uma realidade.

Renan e Willian vieram ao mundo escutando música e não se desgrudam quase nunca. A mãe se formou em piano e todos da família sempre se arriscaram em algum tipo de instrumento. O que começou como diversão, acabou virando coisa séria. “Temos uma música que diz: ‘preciso do meu sonho para sobreviver´. É isso. Todos nós precisamos dos nossos sonhos para sobreviver, seja lá qual for. É ele que nos mantém vivos”, conclui Renan.

ANOS DE ESTRADA

A banda 88 Não, de Mauá, completa 15 anos nesta temporada e promete um show especial, nada mais do que merecido. Assim como a Leeds, a banda tem uma raiz familiar. “Quem montou a banda foi meu pai (Daniel Miranda), em 2000. Ele era do Subviventes, uma banda histórica do ABC, e montou a 88 Não juntamente com outros amigos, inclusive um argentino que trouxe a maior influência: o punk rock argentino”, conta o guitarrista e voz da banda, Nicolas Miranda.

O grupo de músicos aposta na simplicidade, sem extrapolar nas composições. “Considero nossas músicas uma mistura do som das bandas punks brasileiras de 70/80, do streetpunkinglês e do punk rock argentino. Não vejo nenhuma outra atualmente tão à flor da pele como a nossa”, opina o baixista, Ludo.

No entanto, a preocupação não está apenas em transmitir o som Brasil afora – já foram duas excursões pela Argentina, além de tours pelo Nordeste. Não dá para apresentar a 88 Não sem citar os projetos sociais. “Tivemos um projeto no meu bairro (Sônia Maria, em Mauá), onde tínhamos um estúdio e oferecíamos oficinas de guitarra, baixo e bateria para a molecada”, lembra Nicolas.

Mesmo com as conquistas, a banda ganhou pouco dinheiro e reduz o prejuízo com a venda de camisetas, adesivos e botons.

SEGUIDORES

A paulista Bullet Bane é a única das quatro bandas ouvidas pela reportagem que trata a música como prioridade, viajando pelo Brasil com uma van comprada com o dinheiro da venda de produtos e cachês de shows. O grupo que propaga o hardcore por onde passa tem mais de 17 mil seguidores no Facebook. Sem uma gravadora, o nome da banda é divulgado por um selo.

“No começo, queríamos encher casas de shows que comportam 600 pessoas e conhecer todos os lugares possíveis. Ainda temos vontade de tocar em casas cheias, mas priorizamos qualidade de som, estrutura e não temos uma meta final”, afirma o baterista Renan Garcia. O Bullet é formado por cinco jovens e já abriu shows do Dead Fish e até do Nofx – para alguns considerada a principal banda de hardcore do mundo. O quinteto gravou 31 músicas desde que estão juntos, sempre com temas políticos e do cotidiano.

Em maio, o Bullet gravou um DVD, mas se populariza utilizando as ferramentas da internet. “Se a mídia de massa não dá a devida atenção ao que fazemos, não tem problema. Faremos mesmo assim”, avisa o baterista do Bullet Bane. E assim o rock autoral e independente sobrevive a cada dia no Brasil.

Antônio Ferreira