PROJETO DA PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ, NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO, RESGATA TRADIÇÃO DE ENSINO MUSICAL NAS ESCOLAS E PARA GRUPOS ESPECÍFICOS

> “Música não é apenas entretenimento. Ela tem um grande valor educativo. Envolve concentração, trabalho de equipe e respeito ao outro.” Talvez Abel Rocha, maestro da Orquestra Sinfônica de Santo André (Ossa), município da Região Metropolitana de São Paulo, não tenha percebido, mas suas palavras são um réquiem. Houve um tempo em que o ensino da música era parte do dia-a-dia de todas as escolas – particulares e públicas. Não havia estabelecimento sem uma unidade musical: coro, orquestra de sopros ou conjunto de música popular. Lá se vão 40 anos.

De lá para cá, a música tem sido cada vez mais considerada como um suplemento da formação, não só dos alunos regulares, mas da comunidade como um todo. Por isso, o município do ABC Paulista está buscando resgatar a música por meio de dois projetos coordenados pela Ossa, que possui 70 integrantes.

Universidade Metodista

O mais novo projeto é o Conversando sobre Música – implementado no segundo semestre de 2015. Apesar de em Santo André ser desenvolvido pela Ossa, o projeto pode ser realizado por qualquer outro grupo musical ligado a uma prefeitura, ou mesmo contratado.

Outro programa, este mais antigo, se chama Concertos Didáticos. Por meio dele, alunos de escolas públicas estaduais estudam e exploram os instrumentos musicais, são estimulados a falar sobre música antes de acompanhar a apresentação da orquestra. E depois desenvolverão debates e trabalhos sobre o concerto a que assistiram.

Preparação prévia

Como os Concertos Didáticos, o Conversando sobre Música também envolve uma preparação prévia. Neste caso, são escolhidos grupos específicos, normalmente com interesses comuns. “Nossa última apresentação foi para um grupo da terceira idade e também para um conjunto de crianças”, diz Rocha. O próprio maestro conversou com eles sobre os objetivos do projeto, como ele aconteceria e averiguou o espaço para a exibição – no caso, um centro de convivência.

Na data marcada, levou apenas um grupo de instrumentos de sopro retirado da orquestra. “São espaços menores, justamente para permitir a interação com o público, o diálogo. Por isso, grupos pequenos de músicos surtem um efeito melhor.” A apresentação é vista por cerca de 90 pessoas. Elas ouvem o concerto durante os primeiros 40 minutos. Na meia hora final, as músicas são entremeadas pela conversa.

“As pessoas perguntam sobre os instrumentos, sobre como funcionam as cordas, os sopros. Mas nós também discutimos as circunstâncias em que determinada peça foi criada, falamos da história de um compositor”, diz Rocha. Assim, o evento adquire um aspecto interdisciplinar e serve para qualquer público.

Maestro e estudantes participantes do “Conversando sobre Música”

Maestro e estudantes participantes do
“Conversando sobre Música”

Detalhe importante: o repertório não precisa ser composto por melodias prontamente reconhecíveis pela audiência. O senso comum reza que executar obras famosas é uma maneira de atrair o público cujo gosto é supostamente algo distante da música clássica. “No projeto, pelo contrário, o que vale é com o público e dar pontos de referência para que ele absorva o que está ouvindo.”

O repertório vai variar não conforme o conhecimento musical previamente adquirido – o que as pessoas, deseducadas musicalmente, geralmente reconhecem são peças que já foram veiculadas em alguma propaganda ou como trilha sonora –, mas de acordo com o tipo de público. “A criança tem uma relação com o tempo diferente de uma pessoa mais velha”, explica Rocha. No projeto, ele já executou obras de Haydn, Villa-Lobos, Carlos Gomes e Ravel, entre outros, e não necessariamente obras famosas.

Assim, diferentemente do projeto Concertos Didáticos, o Conversando sobre Música dispensa a última parte do processo pedagógico. “A conversa é realizada no momento mesmo da apresentação. Ela se basta.”

Adaptação

É fácil adaptar o programa para um projeto político-pedagógico da rede pública municipal. Basta que a prefeitura tenha cargos para músicos. Não os tendo, pode contratá-los especificamente para o projeto. Não é necessário que tenham formação clássica, mas é desejável que possam explicar bem a técnica, o instrumento que estão tocando – mesmo que esse instrumento seja a voz – e que conheçam a história da música que vão executar. Orquestras de violões, coros, quartetos de cordas: todos podem ser usados para ensinar.

“Não temos gasto extra no projeto”, diz o maestro. “Os músicos da Orquestra Sinfônica têm uma grade horária para cumprir. Meu trabalho é adaptar essa com nossas outras atividades; a infraestrutura é suprida diretamente pela Prefeitura – por meio de ônibus para o transporte, por exemplo, e pelos grupos.”

E é desejável que o projeto seja executado em comunidades carentes, como faz em São Paulo o maestro João Carlos Martins, por exemplo? “Em música, todas as comunidades são carentes desde que a formação musical sumiu das escolas há mais de quatro décadas”, arremata Abel Rocha.

Leo Oliveira