Sergio Andrade, cientista político ganhador do Prêmio Empreendedor Social de 2015, diz que acesso dos municípios a recursos melhorou, mas gestão pública precisa incrementar a implementação de políticas públicas, o incentivo e a ampliação da participação popular

Por trás do rosto jovial do cientista político Sergio Andrade está uma sólida formação e um comprometido trabalhador a serviço do crescimento e fortalecimento da gestão pública no Brasil. Formado pela USP, mestrando pela FGV em Gestão e Políticas Públicas e especialista em Negociações Internacionais pela Unesp, Andrade tem 15 anos de experiência na área governamental e no setor privado, incluindo trabalhos em muitos ministérios do Governo Federal. Em 2009 fundou a Agenda Pública para aprimorar a governança pública, a participação popular e implementação e monitoramento de políticas públicas nos municípios e, em 2015, como reconhecimento a este trabalho, recebeu o Prêmio Empreendedor Social, concedido pelo jornal Folha de S.Paulo, em parceria com a Fundação Schwab.

A Agenda Pública atua em dois eixos: gestão de políticas públicas e participação social, desenvolvendo programas que são financiados por institutos, fundações, empresas e também pelo setor público. A Oscip viabilizou, entre 2012 e 2015, o acesso de municípios a quase R$ 1,2 milhão em convênios.

Universidade Metodista

Políticas públicas e participação social, aliás, são áreas onde a gestão pública municipal patina, embora atualmente tenha mais acesso a recursos federais e estaduais. Segundo Andrade, o que precisa ser aprimorado é a definição das competências entre os entes federados. “É necessário uma revisão para o pacto federativo com vistas a harmonizar e definir melhor estas competências. A desigualdade regional é enorme. Os governos estaduais e o Governo Federal precisam atuar para fortalecer os municípios”. Para o cientista há pouca preocupação dos gestores municipais com a geração de receita própria, com a promoção de políticas de desenvolvimento econômico, além de uma gestão fiscal e tributária deficientes. “Muitos são os casos em que o gestor simplesmente não cobra os impostos e taxas, temendo desgaste político”, afirma.

Revista República – Quando e por que você decidiu criar uma organização não-governamental que poiasse o fortalecimento da administração pública?

Sergio Andrade – O Estado de Bem-Estar brasileiro começou tardiamente. Apenas com a Constituição de 1988, uma geração de políticas sociais foi delineada; porém, com a crise fiscal do Estado e os programas liberais iniciados no governo Collor não houve interesse político em implementá-las. Com a estabilização da economia e a combinação de políticas de crescimento com distribuição de renda houve um novo impulso e políticas básicas na área urbana, de saúde, educação e direitos humanos. Contudo, a capacidade dos municípios para implementação continuava baixa. Foi nesse contexto que, em conjunto com um grupo de colegas ligados a núcleos de pesquisa na USP, decidi criar uma organização capaz de fortalecer institucionalmente os municípios.

Quais são os eixos de atuação da Agenda Pública? Dentro destes, qual costuma ser a maior carência dos municípios?

São dois eixos, gestão de políticas públicas e participação social. Esses são os dois pilares de uma concepção de governança democrática. Sem uma boa gestão não conseguimos viabilizar as demandas da cidadania e, sem participação, as políticas são ineficientes e sua qualidade não tem dimensão concreta do mundo vivido. As duas dimensões são fundamentais para os municípios e estão longe de estar equacionadas. Nossa atuação está baseada na construção de capacidades ao nível local e na incidência para melhoria das políticas de gestão em nível nacional.

Quantos e quais os programas de fortalecimento da gestão pública que a Agenda mantém atualmente? Quais municípios participam?

Temos um programa mais amplo que trabalha com o fortalecimento institucional das políticas básicas municipais (gestão, saúde, educação, assistência social) e temos programas mais específicos que trabalham aspectos de finanças públicas e a capacidade de conveniamento da gestão. Nosso programa mais recente trabalha também a produção de políticas de desenvolvimento econômico e inclusão produtiva dos municípios, um trabalho que vai além da concessão de incentivos e benefícios e do fortalecimento de cadeias produtivas. Esse conjunto de programas vem sendo implementado em municípios dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Tocantins, Goiás, Pará e Bahia.

O gestor público no Brasil está preparado para criar, desenvolver e manter políticas públicas ou a maioria desconhece como se faz isso?

Olhando em perspectiva, a gestão pública brasileira melhorou. Temos políticas mais estruturadas, maior clareza metodológica e recursos identificados. Porém, o processo de implementação e o monitoramento das políticas revela muitos desafios, ainda mais nos municípios. Precisamos descentralizar capacidades institucionais para criação de boas políticas públicas no território. Partimos de uma realidade muito assimétrica. A desigualdade regional é enorme. Os governos estaduais e o governo federal precisam atuar para fortalecer os municípios. O desafio não é apenas formar bons quadros, mas introduzir uma cultura para resolver problemas complexos, que exigem atuação intersetorial.

Entre os produtos da Agenda Pública está a Plataforma de Assessoria Técnica para Municípios. Como ela funciona? Quantos municípios já participam? É possível dar exemplos de políticas e municípios que já se beneficiam deste compartilhamento de ideias e programas sobre diferentes temas?

A área de saneamento foi a pioneira para a qual a plataforma foi pensada. Contudo, sua utilização se dá em vários programas que desenvolvemos. A plataforma oferece recursos de videoconferência, audioconferência, compartilhamento de arquivos em qualquer formato, desenvolvimento simultâneo de projetos colaborativos. É possível ainda utilizar recursos como fóruns, calendários, bem como registrar todo o processo no diário de bordo, o que permite acompanhar e avaliar o processo de assessoria técnica. Assim, diferentemente de ferramentas de interação, a Plataforma de Assessoria Técnica é um ambiente colaborativo de aprendizagem e não somente um canal de interação por voz e vídeo. Usamos a tecnologia como recurso pedagógico para apoiar o desenvolvimento de capacidades dos municípios, de forma semipresencial. Tudo começa com um diagnóstico in loco e depois temos a validação do plano de trabalho, o qual é acompanhado à distância. Ao contrário de entregar um produto pronto como, por exemplo, um texto de convênio, a metodologia prevê um trabalho de assessoria que procura construir com as equipes municipais as soluções necessárias. Sendo assim, quando necessário, os próprios técnicos do município poderão encontrar os caminhos necessários para resolver os problemas enfrentados na gestão.

Como o município interessado pode ter acesso à Plataforma de Assessoria Técnica? Quem pode participar?

Apenas municípios que participam de projetos desenvolvidos pela Agenda Pública.

Como é a dinâmica de trabalho entre a Agenda e os municípios? Eles são procurados pela Agenda ou vão até vocês visando a trabalhar determinada proposta?

Nossos programas são financiados por institutos, fundações, empresas e também pelo setor público. Há casos em que somos procurados por organizações públicas e também mantemos programas que selecionam municípios, de acordo com critérios determinados.

Costuma-se dizer que o município é onde a vida acontece: nele moramos, trabalhamos e realizamos as atividades diárias. Por que, então, o arranjo federativo brasileiro prevê uma divisão orçamentária que penaliza e desequilibra os municípios? O que precisa mudar?

O pacto federativo precisa de uma revisão que harmonize e defina competências mais claramente; porém, o acesso dos municípios a recursos federais e estaduais, observando critérios programáticos, tem aspectos positivos. A apresentação de projetos alinhados com diretrizes nacionais foram os responsáveis pela transformação observada na assistência social, apenas para dar um exemplo. Esta deixou de ser uma área encarregada de praticar caridade para tornar-se uma política de direitos. Porém, a dificuldade de implementar programas top down é muito grande. A coordenação é complexa e os aspectos regionais são relativizados. Sendo assim, as políticas nacionais precisam trazer diretrizes, mas a implementação deve prever espaço para que os municípios possam contemplar singularidades e inovações de acordo com necessidades locais.

Os municípios, em sua grande maioria, estão falidos, boa parte não respeita a LRF. Pela sua experiência, isso se dá por má gestão dos recursos ou pela pouca criatividade, eficiência e busca de parcerias por parte dos gestores públicos, muitas vezes mais preocupados com a administração político-partidária do que com o trato da coisa pública?

Os municípios são muito dependentes das transferências federais. Há pouca preocupação com a geração de receita própria, com a promoção de políticas de desenvolvimento econômico. Somado a isso, temos uma gestão fiscal e tributária muito deficientes. Muitos são os casos em que o gestor simplesmente não cobra os impostos e taxas, temendo desgaste político. Porém, a questão não é apenas equilibrar despesa e receita, mas pensar na qualidade do gasto público. Essas são preocupações que temos na Agenda Pública e, por isso, criamos o Programa de Desenvolvimento Econômico e o Programa de Apoio à Gestão Fiscal e Tributária.

Qual município ou projeto/programa a Agenda Pública destacaria hoje como exemplo de governança pública moderna e eficaz?

Há uma diversidade de boas experiências de gestão municipal. Em nossa atuação em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos desenvolvemos um trabalho para mapear boas práticas em todo o País. Estas experiências são apresentadas durante o Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável-EMDS, evento que acontece em Brasília, a cada dois anos. Sobre essas experiências o mais relevante é fomentar sua disseminação e reaplicação. Nosso interesse é mostrar o “pulo do gato”, ou seja, quais os aspectos mais relevantes para que uma política tenha sido implementada com bons resultados. Não buscamos apenas histórias românticas de sucesso, mas quais foram os arranjos que merecem atenção e como podem servir de inspiração para outras realidades.

Por que os canais e mecanismos de controle social ainda são tão falhos na esfera pública? Falta vontade política ou é porque existe pouca mobilização social para efetivar a participação popular?

Há cerca de três anos fizemos um diagnóstico sobre a situação dos conselhos estaduais de direitos em São Paulo. Também buscamos propor indicadores sobre o desempenho dos conselhos. Os relatórios desse trabalho estão disponíveis em nosso site. A boa performance dos conselhos considerava tanto sua capacidade de influir concretamente na agenda de políticas, quanto a permeabilidade do Estado às deliberações, a estrutura dos conselhos e sua relação com a sociedade. Também há uma relação com o ambiente de participação. Um conselho não funciona de forma isolada, como se pudéssemos pensar em um conselho forte em um ambiente institucional em que não há incentivo à participação, em que
há uma sociedade civil fragilizada. Sendo assim, é preciso fortalecer o ambiente de participação, os aspectos institucionais da política de participação e preparar os conselheiros e os cidadãos para que participem de forma qualificada, seja através de conselhos ou outras instâncias de participação formal ou informal existentes hoje.

Como a Agenda Pública atua para aumentar a participação popular na condução dos programas e investimentos públicos?

Acreditamos que o incentivo à participação cidadão precisa se mostrar atraente, interessante e orientada para resultados. Promover participação qualificada é um processo e não resulta de ações pontuais e voluntaristas. Trabalhamos para fortalecer a política de participação, ou seja, preparando a gestão para que esta seja mais transparente e aberta ao diálogo. Por outro lado, incentivamos a participação dos cidadãos em espaços diversos como associações de moradores, grêmios estudantis e organizações sociais. Fomentar o associativismo é importante para fortalecer o ambiente de participação. As pessoas precisam perceber que a política não é apenas partidária, ela se realiza no cotidiano e em muitos ambientes distintos. É importante conectar cidadãos, interesses, causas públicas e canais de participação. Também trabalhamos para qualificar o perfil dos conselheiros e o funcionamento do conselho propriamente dito.

Aqui utilizamos estratégias pedagógicas muito centradas na realidade do participante. Não trabalhamos conteúdos e sim problemas práticos, usando ferramentas de gameficação e desafios de aprendizagem. O processo de aprendizagem é preocupação constante. Por fim, procuramos conectar os conselhos e outras instâncias de participação, estruturando um sistema do qual façam parte também os órgãos de controle.

Gostaria que comentasse alguns resultados práticos de programas que estão em andamento pela Agenda Pública, como o de Qualificação e Desenvolvimento Econômico nos municípios de Barro Alto e Niquelândia-GO.

Em Barro Alto e Niquelândia-GO o processo de análise e resolução de pendências nos convênios em execução entre prefeitura e governo federal resultaram na captação de mais de R$ 1 milhão de reais, além da regularização de diversos convênios pendentes, o que significou a normalização do fluxo de recursos para o município. Em Xambioá-TO o processo de análise de documentos fiscais e elaboração de projeto para apresentação ao Programa de Modernização Administrativa e Tributária-PMAT do BNDES resultou na regularização de diversas pendências fiscais e melhor gestão sobre a dívida municipal pelos gestores locais, inclusive a regularização de pendências junto ao Tesouro Nacional, que impediria o recebimento de recursos e/ou assinatura de convênios.

A Agenda Pública mantém uma Escola de Políticas Públicas. Como ela funciona?

Oferecemos soluções educacionais de acordo com as necessidades de formação características do setor público. Empregamos recursos educacionais como mentoria, intercâmbios, cursos a distância e semipresenciais, além de cursos livres. Procuramos criar espaços de aprendizagem dinâmicos e estimulantes. Formamos mais de cinco mil alunos desde 2010. Esse processo culmina agora com a transformação da Escola de Políticas Públicas em uma instituição independente, um processo para o qual já realizamos o planejamento prevendo ações nos próximos quatro anos. Nosso desafio é ampliar a qualidade da formação dos agentes públicos brasileiros. Portanto, a atuação vai além de projetos educacionais e inclui incidência para o aprimoramento de políticas de formação de pessoal.

Como foi ser agraciado em 2015 com o Prêmio Empreendedor Social, concedido pela Folha de S.Paulo em parceira com a Fundação Schwab? Além do reconhecimento do trabalho, o que muda para a Agenda Pública e quais os planos para 2016?

O prêmio é um grande incentivo e favorece muito a causa pela qual trabalhamos. Por isso estamos trabalhando em conjunto com a organização do prêmio para criar um canal de comunicação permanente em que possamos discutir sobre política e participação, dando visibilidade a boas experiências de gestão de um Brasil que funciona e que esteja comprometido com o desenvolvimento, equilibrando aspectos sociais, ambientais e econômicos. Além disso, também tivemos propostas de atuação em outros países da América do Sul e na América Central. Esse trabalho vem acompanhado do fortalecimento da governança e da equipe. Essas frentes nos permitirão consolidar nossa atuação, conforme o planejamento que realizamos para os próximos quatro anos.


• Mariangela Devienne