ECONOMIA SOLIDÁRIA DESPONTA EM SÃO PAULO COMO MODELO ALTERNATIVO DE POLÍTICA PÚBLICA

> Cooperativismo ou associativismo são formas alternativas de organizar a sociedade em um novo modelo econômico que não visa ao lucro, embora instituído dentro do capitalismo. Não é difícil encontrar pessoas dizendo que o modelo cooperativista é um ‘ensaio para o socialismo’, já que entre seus princípios estão a solidariedade, garantia de trabalho e igualdade. Encontramos ainda especialistas em Administração e Políticas Públicas dizendo que o modelo cooperativista só não avançou mais no Brasil por conta de uma concorrência desleal promovida pelo modelo capitalista, que rege nossa sociedade.

Nessa direção, a Economia Solidária compreende uma forma alternativa de produção, consumo e distribuição de riqueza, atuando na geração de trabalho e renda no território e despontando como uma das alternativas ao emprego, no País. São conhecidos como empreendimentos solidários as cooperativas, as empresas individuais – quando organizadas de forma associativa -, empreendimentos populares e empreendimentos em rede (pequenos empreendimentos que se juntam para apresentar um produto), orientados pelos princípios de autogestão, cooperativismo, solidariedade, trabalho em rede, trabalho decente e incorporação de grupos em vulnerabilidade. Entre os objetivos da economia solidária estão a reinserção produtiva, social e econômica de grupos menos favorecidos.

Universidade Metodista

Com o objetivo de fortalecer as ações de Economia Solidária no município de São Paulo, o prefeito Fernando Haddad criou em novembro passado o Centro Público de Direitos Humanos e Economia Solidária e a Incubadora Pública de Empreendimentos Econômicos Solidários, modelos de desenvolvimento que visam a ampliar e fortalecer as cooperativas, os empreendimentos econômicos solidários e as micro e pequenas empresas, com o objetivo de fortalecer a economia solidária como forma de desenvolvimento local e proporcionar a possibilidade de se organizar o trabalho e a renda de forma coletiva e autogestionária.

Centro Público

Com a finalidade de articular e potencializar as iniciativas de fomento à economia solidária, direitos humanos e trabalho decente no município, o Centro tem a função de promover eventos, oficinas, seminários e atividades culturais para fortalecer a interlocução entre os empreendimentos e a sociedade. Além disso, deve incentivar a inclusão social e profissional de grupos em situação de vulnerabilidade, em especial LGBTLésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros); população em situação de rua, mulheres, jovens, migrantes, imigrantes e idosos. O Centro Público é um equipamento que cumpre a etapa de organizar os grupos de forma individual (cooperativa), ou agrupar-se em redes, com a finalidade de vender seus produtos em maiores quantidades. “É um espaço onde os empreendimentos podem realizar reuniões para apresentar seus projetos, uma ‘sede provisória’ dos empreendimentos”, explica Sandra Faé, secretária adjunta de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo da Prefeitura de São Paulo.

O passo a passo

A Incubadora Pública de Empreendimentos Econômicos Solidários pretende fomentar a criação, consolidação e expansão de grupos e iniciativas para a geração de trabalho e renda e deve ser pautada pelos valores e princípios do cooperativismo e economia solidária. Este espaço é destinado ao fomento de processos de incubação, apoio à organização, consolidação e sustentabilidade de empreendimentos solidários, por meio de formação e assessoria técnica, tecnológica e profissional desses grupos. A incubadora é responsável por organizar os empreendimentos em cooperativas ou redes, a fim de comercializar seus produtos e, se necessário, negociar com grandes grupos em prol dos empreendimentos solidários.

A Incubadora oferece a retaguarda necessária para fase de implantação dos empreendimentos, que passam por duas fases: pré-incubação (sensibilização, mobilização e capacitação) e a de incubação (organização do negócio). Na primeira fase, uma equipe multidisciplinar composta por representantes de diversas áreas (jurídica, contábil, assessoria de mercado, assistente social, assessoria pedagógica, nutricionista, entre outras) orienta os empreendimentos que se encontram em estágio embrionário, sobre como se montar um projeto. Esse processo leva cerca de dois anos, passando pela apropriação dos mecanismos jurídicos, administrativos e contábeis necessários à viabilização econômica do negócio, tais como a criação do CNPJ, estatuto interno, processo de formalização, capacitação dos profissionais e exercícios de comercialização. Durante este período é possível que os empreendimentos exercitem na prática a comercialização de seus  produtos, a fim de criar um fundo de financiamento para o mesmo.

Segundo o professor de Administração Pública, André Luiz, o conceito de Incubadora Pública cabe em qualquer gestão pública. “Existe uma série de municípios que têm experiências econômicas, sofrendo sozinhas localmente. Quando se traz essa experiência para um grupo, permitindo que se troquem experiências, esse quadro melhora. Isso é política de inclusão produtiva”, explica.

“Estamos falando de felicidade interna bruta, não de produto interno bruto”

Livre comércio entre a “Estamos Prefeitura e produtores solidários

Centro Público FOTO: DAMARIS RODRIGUES

Centro Público
FOTO: DAMARIS RODRIGUES

Visando a estimular o desenvolvimento desses empreendimentos solidários, o prefeito Fernando Haddad assinou em outubro último, decreto de nº 56.475 (vide box), que dispõe sobre as “contratações públicas de bens, serviços e obras, devendo ser concedido tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para microempresas e empresas de pequeno porte, objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito regional e municipal; ampliação da eficiência das políticas públicas; e o incentivo à inovação tecnológica”. Ou seja, este decreto estabelece critérios que beneficiam grupos de economia solidária, possibilitando a inserção desses grupos em ‘processos licitatórios’, disputados entre si. “Esse processo deve ser articulado entre secretarias, pois tem viés social, econômico, produtivo, cultural e ambiental de maneira sustentável, além de sempre estar articulado com questões educacionais e profissionais, como a retomada da escolaridade, ensino de jovens e adultos, escolas técnicas, capacitação profissional, institutos de tecnologia, etc, pois alguns empreendimentos acabam fracassando por baixa capacidade técnica”, explica o professor.

Segundo André Luiz, a saída é buscar financiamentos por meio de microcrédito. “É impossível pensar em inclusão social sem pensar em inclusão produtiva”, comenta o especialista, frisando que em primeiro lugar não existe crise econômica na economia solidária devido à grande circulação local de produtos, o que gera uma atividade econômica local. “A inserção econômica de determinados grupos permite o giro da economia, além de contribuir para a reinserção social e econômica de pessoas excluídas. Estamos falando de felicidade interna bruta, não de produto interno bruto”, resume o professor.

Vale salientar que a integração com as subprefeituras (no caso do município de São Paulo) tem o importante papel na articulação desses empreendimentos localmente, embora este Centro Público tenha sua sede instalada no bairro do Cambuci, região central da capital. O espaço dispõe de infraestrutura composta de auditório, salas, cozinhas (que servem como laboratórios), oficina de confecção, atelier para artesanato, etc.

Projeto de lei municipal

A Prefeitura de São Paulo, por meio da atual gestão, retomou a construção de uma política pública de Economia Solidária. O primeiro passo para os municípios que pretendem implantar esse modelo em suas gestões é articular iniciativas existentes tanto na sociedade civil quanto no poder público, estabelecer mecanismos que incentivem e fomentem social e economicamente esses empreendimentos, bem como criar lei municipal de Economia Solidária.

De acordo com Sandra Faé, o prefeito Fernando Haddad pretende enviar o projeto de lei para o Legislativo no início de 2016. Esta lei cria a política e os instrumentos (a exemplo do Centro Público e Incubadora) para fomentá- la, além de incentivar os empreendimentos e criar uma série de condições que fomentam e apoiam esse tipo de iniciativa. Segundo ainda a secretária adjunta, não há dúvida de que a economia solidária é uma alternativa e que o estabelecimento de políticas públicas de fomento, instituídas como direitos perenes, torna-se parte da construção de um Estado Republicano e Democrático. “É necessário reconhecer a existência destes novos sujeitos sociais, novos direitos de cidadania e de novas formas de produção, reprodução e distribuição social, além de propiciar o acesso aos bens e recursos públicos para seu desenvolvimento, tal qual permite os outros segmentos sociais. O papel do Estado frente à economia solidária é o de dar-lhe propulsão e suporte por meio de políticas públicas que disponham de instrumentos e mecanismos adequados para o reconhecimento e o fomento deste segmento e uma oportunidade que pode ser acessada por um número grande de pessoas, que se organizem nesse modelo. Isso só fortalecerá o desenvolvimento local do município de São Paulo, além de contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária”, resume ela.

Imigrantes ganham espaço dentro da Economia Solidária

Artesanato FOTO: ROLANDO VEGA

Artesanato
FOTO: ROLANDO VEGA

Rolando Israel Vega Fuentes chegou há cinco anos em São Paulo com a família – esposa e dois filhos pequenos -, em busca de uma vida melhor e oportunidades mais justas de emprego. Imigrante equatoriano oriundo de uma etnia indígena andina chamada Salasaca, ele buscava um espaço ao sol para sua arte, na grande metrópole. Comerciante nato, ele e a esposa, Maristela, vivem do artesanato que manualmente produzem – especificamente tiaras femininas envoltas em linha acrílica, que aprendeu com outro membro do grupo, Luís Vega. Há três meses ele teve contato e ingressou na Incubadora de Empreendimentos Solidários, criada pela prefeitura de São Paulo. No final do ano passado ele concluiu a fase de sensibilização e, por meio de aulas semanais, teve a oportunidade de colocar em prática conceitos de Economia Solidária.

Na segunda semana de janeiro, Rolando e os demais membros da incubadora retornam do recesso e iniciam a segunda fase do processo – chamada de pré-incubação -, onde darão início ao processo de legalização da cooperativa de artesanato, bem como a criação do nome e escolha do nicho dos produtos. “Tenho aprendido muito sobre trabalho coletivo, solidariedade, amizade e companheirismo. Quando cheguei em São Paulo tentei sobreviver da minha arte sozinho, mas é muito difícil. Quando juntamos nossos conhecimento com o de outras pessoas, conseguimos um resultado melhor, renda maior e novas oportunidades”, resume Rolando.

Empreendimentos se organizam em redes solidárias

Juraci Maria da Silva FOTO: DIVULGAÇÃO

Juraci Maria da Silva
FOTO: DIVULGAÇÃO

Juraci Maria da Silva, mais conhecida como dona Jura, é moradora da comunidade de Heliópolis – região central da capital paulista, há mais de 35 anos. Hoje ela se intitula, com muito orgulho, como multiplicadora social – função atribuída dentro da Economia Solidária àquelas pessoas que têm habilidades para agregar pessoas com interesses em comum, bem como atender às demandas desse grupo. Em 2008 sua vida ganhou novo rumo, quando conseguiu por meio do CAPS Jabaquara – Centro de Atenção Psicossocial, aulas gratuitas de gastronomia para alguns moradores. O objetivo era que eles aprendessem a cozinhar para produzir os alimentos consumidos durante reuniões semanais, mas, também, transformá-los em fonte de renda. Foi assim que, em 2008, o grupo Ambrosia – que em 2014 se formalizaria como cooperativa -, ganhou vida.

Desde 2009 a cooperativa se uniu com outros grupos – formados por MEIs – Microempreendedores Individuais e grupos informais, dando origem a uma rede solidária. Esta rede de empreendimentos, denominada União de Sabores Solidários, conta hoje com 14 grupos – 60 membros -, que atuam no segmento de alimentação, e ganhou mais força a partir de março do ano passado, quando ingressou na Incubadora de Economia Solidária de São Paulo. “Nosso contato com a incubadora trouxe uma série de benefícios como a participação em feiras, cursos de formação, gastronomia, confeitaria e autogestão. Essa ajuda foi muito importante para pessoas do grupo que não tinham formação, afinal a ideia da Economia Solidária é agregar pessoas para trocar experiências”, explica a multiplicadora. “Além do mais, trabalhar em rede dá mais credibilidade na hora de oferecer nossos serviços”, resume.

O Projeto de Lei federal

A respeito da Economia Solidária existe projeto de lei federal – 4685/2012 criada pelos deputados Paulo Teixeira, Eudes Xavier, Padre João, entre outros, que tramita no Congresso há mais de três anos. Esta lei dispõe sobre a Política Nacional de Economia Solidária e os Empreendimentos Econômicos Solidários e cria o Sistema Nacional de Economia Solidária, além de criar o FNAES – Fundo Nacional de Economia Solidária.
Segundo portal da Câmara dos Deputados, o projeto encontra- se aguardando “parecer” do relator na CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania

Os empreendimentos no País

Vinculados ao conceito de Economia Solidária, os empreendimentos geram renda a 2,3 milhões de brasileiros, movimentando média de R$ 12,5 bilhões por ano. De acordo com levantamento da Secretaria Nacional de Economia Solidária existem 30.829 empreendimentos econômicos solidários no País, cujo faturamento representou 0,33% do Produto Interno Bruto Brasileiro – PIB, em 2010. Segundo dados do órgão federal, entre 2005 e 2011 houve um acréscimo de mais 88% de pessoas nessa atividade.

Jogo rápido
Fernando Haddad, Prefeito de São Paulo

Fernando Haddad, Prefeito de São Paulo

Revista República – Prefeito, fale sobre a importância e o impacto regional de um projeto do porte social e econômico, como o da Incubadora de Empreendimentos Solidários e o Centro Público.

Fernando Haddad – Nós queremos fortalecer a economia solidária como instrumento de desenvolvimento da cidade. Esses equipamentos reúnem iniciativas e oferecem suporte para que isso aconteça no médio e longo prazo. Também contribuem para transformar as relações de trabalho, mostrando que o universo das cooperativas tem muito a nos ensinar. Nosso papel na gestão pública é proporcionar um ambiente urbano que garanta desenvolvimento sustentável e reduza as desigualdades sociais e territoriais. A prioridade é dar mais qualidade de vida para as pessoas.

São Paulo é pioneira no estado tanto na criação de um decreto, quanto na elaboração de uma lei municipal de incentivo à Economia Solidária. O que o levou a sair à frente das demais regiões, com um olhar tão direcionado e sensível não só a uma nova forma de política pública, mas à inclusão socioeconômica de grupos desfavorecidos?

– A cidade segue uma diretriz nacional de desenvolvimento socioeconômico. Ao regulamentar o Estatuto Nacional da Micro e Pequena Empresa, todas as compras públicas dispensadas de licitação, no valor de até R$ 80 mil, deverão ser feitas exclusivamente com micro e pequenas empresas e sociedades cooperativas. Foi um passo muito importante para São Paulo, que, diante da crise econômica e da escassez de empregos formais, oferece uma nova oportunidade para o trabalhador. Esse tipo de iniciativa pode ser adotada por outros municípios.

Qual o grande desafio que o senhor vê na implantação de um projeto deste porte? O que delineia ou espera para os próximos anos?

-Medidas como essas não são ações isoladas, elas devem ser permanentes na  esfera pública porque tratam de inclusão,  redução das desigualdades e trabalho decente. Todas essas pautas compõem uma agenda de desenvolvimento sustentável que vem sendo consolidada no mundo.

Marianna Fanti