DESLIGAMENTO DO SINAL ANALÓGICO PERMITE ÀS PREFEITURAS TEREM SEUS PRÓPRIOS CANAIS, MAS OS MUNICÍPIOS DEVEM CONSIDERAR TODO TIPO DE ÔNUS – O MAIOR DELES, ORÇAMENTÁRIO

 > É um sonho de nove entre dez cidades do Brasil: ter seu próprio canal de TV. No país, a chamada comunicação social, os meios para falar com um conjunto grande de pessoas, é, na maior parte, mediada. A raiz latina da palavra foi a mesma que resultou em mídia – os meios de comunicação. Pouquíssimas prefeituras têm condição de transmitir mensagens para parcela significativa de seus munícipes sem recorrer a emissoras de rádio, canais de TV, jornais e revistas ou mesmo outdoors. Ou seja, à chamada mídia.

Desde os anos 1990, com o advento da TV a cabo, a concessão de um canal para transmitir programação própria tornou-se uma possibilidade para os municípios. Possibilidade, entretanto, limitada pelo número de assinantes. As prefeituras que recorreram à TV a cabo só conseguiam comunicar-se com as classes A e B e com uma fatia da classe C. A limitação desencorajou a maior parte dos municípios. Os assinantes de TV normalmente são os mesmos que leem jornais com frequência. A mídia privada como meio difusor de informações ainda oferecia uma relação custo/ benefício melhor.

Universidade Metodista

Agora a situação é diferente. O governo federal, por meio do Ministério das Comunicações, vem programando desde 2013 o desligamento do sinal analógico das TVs. Vale para a todas as emissoras que usam o espectro de radiodifusão, as ondas transmitidas pelo ar. A maior parte das redes privadas já está anunciando a conversão de seus sinais.

O próprio ministério corre para pedir que o telespectador faça sua parte. Os aparelhos adquiridos nos últimos anos já têm um receptor digital e para eles a conversão é simples, às vezes automática. Quem tem aparelhos antigos, por outro lado, deve trocá-los ou pelo menos adquirir um conversor, que pode custar entre R$ 40 e R$ 200.

A adoção do modelo digital também abriu o espectro. A transmissão analógica é limitada em conceitos como o de ondas e o de conurbação, muito complicados para os leigos. O que vale saber é que a transmissão digital acomoda os canais de maneira que um não interfira no outro. Assim, é possível dispor de mais sinais específicos, principalmente no sistema UHF. Foi o que possibilitou ao governo separar uma gama de canais para exploração por parte da comunidade e do poder público.

Thiago Godinho, superintendente da Fundação de Televisão Educativa FOTO: DIVULGAÇÃO

Thiago Godinho, superintendente
da Fundação de Televisão Educativa
FOTO: DIVULGAÇÃO

Prazo

Mas as prefeituras tinham um prazo para fazer valer sua exclusividade em relação ao chamado Canal da Cidadania. O primeiro prazo expirou em junho de 2014 e dá mostra do fracasso do Ministério das Comunicações justamente na função de comunicar. Até janeiro, 322 dos mais de 5,5 mil municípios brasileiros haviam solicitado um canal. Mais de 90% deles só estavam correndo contra o relógio: avisados de última hora, requisitaram a concessão sem planejamento prévio.

E, após o planejamento, a maior parte engavetou a ideia ou simplesmente desistiu dela. Guaxupé, cidade de 52 mil habitantes no sudoeste de Minas Gerais, foi uma delas. “O pedido junto ao governo federal foi cancelado pela própria Prefeitura, tendo em vista o alto custo para a aquisição de equipamentos e posteriormente para manter o canal em funcionamento com toda equipe técnica. Fomos informados de que o Governo Federal daria uma ajuda na aquisição dos equipamentos, mas mesmo assim ainda não é viável para o município este tipo de canal”, informou em nota a Prefeitura.

Hoje, as gestões municipais ainda podem solicitar a concessão. Caso ela não seja reclamada pela cidade, o governo do estado pode pedi-la; o município, no entanto, continua tendo prioridade. Para a maior parte das cidades, uma concessão exclusiva do Canal da Cidadania ainda é uma possibilidade real.

Documentação

Aqui começa o trabalho mais complicado. A relação de documentos solicitados pelo Ministério das Comunicações é longa. Exige documentação não só do ente federativo – no caso, a prefeitura –, mas também da pessoa física que ficará responsável pelo canal. Em primeiro lugar, não vale a pena que a TV seja dirigida diretamente pela prefeitura. O ministério vai exigir que a cidade instaure um conselho de Comunicação Social pelo menos paritário, do qual membros da comunidade façam parte. É uma forma de prevenir que a emissora seja usada para fins políticos.

Assim, compensa ao menos criar uma fundação ou uma associação que vai gerir o canal de TV. O trabalho é árduo. A criação exige autorização legislativa e a elaboração de um estatuto próprio, que distinga os objetivos específicos do canal daqueles que tem, por exemplo, uma secretaria de comunicação social.

Outro documento exigido (confira a relação completa no quadro) é o projeto técnico para instalação do sistema irradiante. Trata-se, aqui, de todos aqueles equipamentos necessários para que uma emissora exiba seus programas: dispositivos de emissão, antena, cabos e, no caso das TVs digitais, computadores – se bem que nenhuma TV possa privar-se deles hoje em dia.

Para apresentar o projeto técnico – que só é exigido durante o processo de análise por parte do ministério –, a Prefeitura terá de contar com pessoal especializado com conhecimentos que geralmente não são exigidos de funcionários municipais. O melhor é contratar o projeto de uma empresa especializada, o que significa elaboração de edital, licitação – e tempo, muito tempo.

O Brasil tem uma pequena gama de grupos interessados em que prefeituras diversas não lancem o canal da cidadania. São aqueles, é claro, que usufruem das concessões de redes privadas e que sofreriam concorrência de um canal público. Não é certo de que esses grupos estejam dificultando a divulgação. O que se sabe é que o próprio Ministério das Comunicações é moroso e mesmo ineficiente para falar sobre ele. República enviou perguntas por três vezes à assessoria do ministério e não obteve qualquer resposta. A dificuldade vale como advertência ao gestor público interessado em estabelecer um canal, que é direito da Prefeitura.

Orçamento

Nenhuma das exigências apresentadas anteriormente, contudo, vai significar maior desafio ao gestor do que a orçamentária. Você já tem ideia do quanto um canal de TV implica em gastos simplesmente para ter a permissão de funcionar. E a parte operacional é ainda mais cara. Dados da Associação de Comunicação Educativa Roquete Pinto (Acerp) referentes ao primeiro semestre de 2015 previam uma média de R$ 715 mil apenas para a implantação do sistema de difusão. A Acerp, que até então se dispunha a assessorar municípios na implementação do canal, descontinuou esse projeto, mas seu site (canaldacidadania.org.br) ainda traz boas informações para quem vai desenvolvê-lo.

O valor obviamente varia conforme o custo de vida do local em que se quer instalar o canal. A estimativa engloba desde a antena – na verdade, um dos insumos mais baratos – até equipamentos como ar condicionado e link de micro-ondas.

Mas claro que um exibidor não vai querer apenas manter um link. Ele precisa prever os custos para desenvolvimento de uma programação, inclusive uma que dê as necessárias tinturas locais para o seu canal. Aqui é importante que ele pense qual modelo de canal quer. Precisa, por exigência da lei, ter finalidade informativa e educativa – neste caso, um facilitador. Se adequadamente projetados, programas dedicados à formação de professores ou à divulgação de temas educativos podem ser pagos com a verba carimbada da Educação.

Muitos administradores de TVs educativas recorrem a programações gratuitas produzidas pelo próprio governo e exibidas em canais como a NBR e a TV Escola. Com negociação, é possível recorrer até a programas produzidos pela TV Cultura, de São Paulo, ou pelo Canal Futura, das organizações Globo. Mesmo programação internacional, como a da britânica BBC, é uma possibilidade.

Produções

Essa programação educativa importada, no entanto, é normalmente complementar. O gestor estará mais interessado naquilo que pode falar sobre a cidade e para a cidade. E não tem outro jeito: ele terá de realizar produções próprias. Para isso, também terá alternativas. Pode desenvolver séries educativas em formatos fechados (de 20 episódios, por exemplo). Ou – alternativa mais cara, porém mais desejada – manter uma equipe de TV para desenvolver programas de jornalismo hard news ou de variedades.

Neste caso, a equipe deve ser composta, no mínimo, por diretor, repórteres (inclusive os operadores de câmera) e editor. Mas a adição de outros profissionais, como produtor, estagiários, pauteiro e artista gráfico aumenta a qualidade do produto final. Com todos esses profissionais, a TVE Jundiaí (SP – veja quadro) tem um orçamento de R$ 4 milhões anuais.

Mesmo com todas as dificuldades, vale a pena manter em funcionamento um canal de TV Educativa – e lembrando que ele não pode ter veiculações de conteúdo político ou proselitismo? Feitos os cálculos, vale. “Se bem que ainda seja apertados, o recurso garante que quase 100% da programação produzida pelo município sejam sobre a cidade e para a cidade”, diz o superintendente da Fundação de Televisão Educativa de Jundiaí, Thiago Godinho.

Jundiaí aproveitou estrutura disponível para TV a cabo

Todos os dias a TVE (de “Educativa”) de Jundiaí exibe e reexibe uma leva de programas produzidos pela própria Prefeitura de maneira indireta, ou seja, por meio da Fundação Municipal de Televisão Educativa de Jundiaí. É uma entidade com estatuto próprio criada em 1996 para produzir e exibir programas com recursos municipais, aproveitando que a lei de TV a cabo obriga as operadoras locais a concederem às prefeituras um canal com fins educativos.

Essa estrutura vai acompanhar a conversão do canal a cabo para o canal em sinal digital aberto. Está tudo pronto. A fundação já adquiriu os equipamentos para a mudança, prevista pelo governo federal para maio de 2016. Resta esperar que a concessão, solicitada ainda em 2013, seja outorgada pelo Ministério das Comunicações. De todos os municípios que solicitaram o Canal da Cidadania, Jundiaí é o único que já o tem condicionado a uma TV Educativa em funcionamento – pelo menos segundo os registros do ministério.

Jundiaí goza de antecedentes positivos que quase nenhuma cidade tem. A fundação pode fazer, por exemplo, transmissões ao vivo. Ela detinha uma unidade móvel com um link – uma antena para transmissão por micro-ondas –, mas mesmo para isso é preciso ter concessão do governo. Sem a antena, a cidade começou a utilizar o abrangente sistema de fibras óticas instalado em seu subterrâneo.

Os espaços que são ligados por esse sistema podem ter transmissão ao vivo sem interferência no espectro de ondas de TV. “Foi assim que nós transmitimos mais de 50 horas ao vivo de jogos regionais a partir do Conjunto Poliesportivo Dr. Nicolino de Lucca, o Bolão”, diz o superintendente da fundação, Thiago Godinho.

O Complexo Argos, onde está instalada a fundação, tem dois estúdios para transmissão ao vivo e agrega 15 câmeras do tipo HD, além de toda a parafernália necessária para seu funcionamento – cabos, microfones, cabeças de luz. Os programas são transmitidos ao vivo por cabo, mas também em streaming pelo site da emissora: www.tvejundiai.com.br.

A programação inclui dois jornais: Redação tve, que vai ao ar às 12h30 e depois é reprisado; e Jornal tve, que passa às 19h30, também com reapresentações. As reprises são uma forma não só de preencher a grade, mas de garantir que a população, carente de informações locais, tenha acesso aos programas.

A fundação também produz Oh Terra Querida!, um programa de variedades que é uma chance de mostrar aspectos da cultura e da sociedade do município. Embora seja cidade-polo, Jundiaí está situada entre duas metrópoles, São Paulo e Campinas, e não é incomum que as emissoras comerciais abertas tragam mais informações sobre essas cidades. Hoje, transmitindo por cabo, a programação pode ser acessada pelos 50 mil assinantes. Com a abertura próxima, cerca de 400 mil pessoas terão acesso à programação – um incremento de 700%.

São telespectadores que verão na TV os rostos conhecidos da própria cidade, entre eles os dos cerca de 40 funcionários da fundação. Também podem ver a exibição de bandas locais, algumas das quais nunca haviam se apresentado na TV. “Com toda a grade disponível por demanda no site Youtube, a TV proporciona para estes músicos a possibilidade de manter essa apresentação como a capa de seus portfólios”, diz Godinho. Não é pouca coisa para uma cidade que valoriza seus moradores.

Concessão pode levar mais de 2 anos

Para se obter a concessão do Canal da Cidadania, é preciso que a entidade esteja ligada a um ente federativo, ou seja, a uma prefeitura ou ao governo do estado. A solicitação deve ser dirigida diretamente ao Ministério das Comunicações. Órgãos do Ministério, como a Anatel e a Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônicas, serão envolvidos no processo, cujo trâmite pode durar dois anos ou mais.

Conheça os documentos necessários para a outorga:

Da Prefeitura ou da fundação que vai gerenciar o canal:

• ato de nomeação e/ou eleição de dirigentes, devidamente formalizado;
• ato normativo que disponibiliza recursos financeiros para o empreendimento;
• prova de inscrição do ente interessado no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ;
• prova de regularidade do ente interessado relativa à Seguridade Social – INSS;
• prova de regularidade ou outra equivalente, na forma da lei, para com as fazendas federal, estadual e municipal, conforme o caso;
• prova de regularidade do ente interessado relativa ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
• demonstrativo do quantitativo e da natureza do público que poderá ser alcançado pela programação;
• documento devidamente registrado comprovando a constituição do Conselho de Comunicação Social local ou declaração de comprometimento com a criação deste Conselho em até sessenta dias depois de outorgada a autorização;
• projeto técnico para a instalação do sistema irradiante, conforme norma técnica específica para a TV Digital – somente deverá ser apresentado quando solicitado pelo Ministério das Comunicações, durante o processo de outorga.

Da pessoa física que vai dirigir o canal: 

• prova da condição de brasileiro nato ou naturalizado há mais de dez anos;
• certidões negativas dos Cartórios Distribuidores, relativas aos feitos cíveis e criminais em geral dos locais de residência nos últimos cinco anos e das localidades onde exerçam ou tenham exercido, no mesmo período, atividades econômicas;
• certidões negativas dos Cartórios de Protestos de Títulos, dos locais de residência nos últimos cinco anos e das localidades onde exerçam ou tenham exercido, no mesmo período, atividades econômicas;
• prova de quitação com as suas obrigações eleitorais. Após a conclusão do processo de outorga, o Ministério das Comunicações vai abrir avisos de habilitação para selecionar as associações comunitárias que ficarão responsáveis pela programação em cada localidade.

Mais informações no site:
http://www.comunicacoes.gov.br/espaco-do-radiodifusor/canal-da-cidadania

Leo Oliveira