A EMISSORA, QUE LEVA O NOME DE FREI CANECA, PATINA NOS TRÂMITES BUROCRÁTICOS E POLÍTICOS PARA COMEÇAR A OPERAR

 > Se conseguir uma concessão de TV é caro e burocrático para as prefeituras, o que dizer das rádios? Será que o processo de licença e gestão é menos complicado? A contar de exemplos das emissoras mais antigas operando no País, parece que a novela é a mesma. Há 50 anos, Recife, capital de Pernambuco, aguarda pela emissora pública. Já a rádio Cultura de Amparo (SP), há 37 anos no ar, esbarrou no investimento inicial e quase não sai do papel. Em Poços de Caldas (MG) está a primeira emissora municipal do Brasil, cuja programação sofre com as interferências do Executivo e agora busca retornar à vertente educativa original.

Em Recife, a rádio Frei Caneca seria a mais antiga do Brasil, com 55 anos, se tivesse entrado no ar na época de sua criação. Idealizada pelo então vereador Liberato Costa Júnior, em 1960, a Lei nº 590/60 foi sancionada por Miguel Arraes, prefeito do município na época. Cinco décadas depois, a emissora, que leva o nome do herói da Confederação do Equador, ainda esbarra em trâmites burocráticos para emitir suas ondas sonoras.

Universidade Metodista

A atual gestão da cidade promete que a rádio estará em funcionamento até o primeiro semestre de 2016. Movimentos sociais reclamam que a prefeitura já deu outros prazos para a inauguração da emissora e que até agora não passaram de promessas.

A fim de retirar a ideia do papel e destravar as questões burocráticas, a Prefeitura do Recife, junto com o Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom), Conselho de Cultura da cidade e mais 20 entidades da sociedade civil começaram a debater em 2014 como e quando seria instalada a rádio educativa municipal. Das 15 reuniões feitas, surgiram 54 propostas que já foram apresentadas ao prefeito.

Segundo Patrick Torquato, gerente de música da Fundação de Cultura do Recife e responsável por conduzir a implementação da emissora, falta muito pouco para que os recifenses possam escutar a Frei Caneca. “Até o final do ano será anunciado como será feita a última etapa. Ainda faltam definir questões como gestão, financiamento, contratação e programação. O pregão eletrônico para aquisição de equipamentos deverá ser concluído entre 60 e 90 dias após a divulgação do edital de licitação”, explica Torquato, que acredita que a rádio possa funcionar em caráter experimental ainda em 2015.

As promessas não cumpridas pela prefeitura, como a data que a rádio vai entrar no ar, incomodam aqueles que há anos trabalham para que a Frei Caneca possa, enfim, funcionar. “Em nenhum momento tivemos clareza sobre o cronograma da instalação da rádio”, relata o jornalista Ivan Morais Filho, integrante do Fopecom.

Em um ponto as duas partes parecem estar de acordo: quando no ar, a Frei Caneca terá participação ativa dos recifenses. “Uma das propostas é que de 6 a 8 horas semanais de conteúdo sejam produzidos com a participação da sociedade civil. Temos também a intenção de fechar parcerias com cursos de comunicação social”, detalha Patrick Torquato.

“Umas das propostas que encaminhamos é compondo conselho curador que vai dialogar sobre os conteúdos e funcionamento da emissora, que não deverá se limitar a uma ‘tocadora de música’, mas deverá ser um veículo importante para proporcionar a representação democrática nos espaços de diálogo, procurando incentivar a cidadania e o debate público de temas que são historicamente censurados na mídia comercial tradicional”, afirma Ivan.

Poços de Caldas

Em Poços de Caldas-MG (cidade a 461 km de Belo Horizonte) funciona a rádio Libertas FM. Criada em 1975, a Libertas é a rádio oficial da prefeitura. Por ser ligada ao Executivo municipal, a emissora tem sofrido com a interferência de cada gestão ao longo desses 40 anos, completados em 6 de novembro. Há três anos, Alessandro Gaiga está à frente da diretoria da rádio. Segundo ele, foi necessário mudar a programação, pois a antiga estava fugindo do papel que uma concessão educativa tem perante a sociedade.

“Voltamos com uma programação educativa. Temos um programa sobre psicologia feito em parceria com a PUC (Pontifícia Universidade Católica), além de campanhas ambientais e de saúde”, relata Alessandro.

De acordo com ele, apesar da resistência inicial, a maior parte da população aprovou as alterações na programação. “Nossa principal função é aproximar a gestão da população. Tocar música é bom, mas não é só isso”, completa.

Amparo

Estúdio da Rádio Cultura de Amparo Foto: Divulgação

Estúdio da Rádio Cultura de Amparo

A história da rádio de Amparo, no Estado de São Paulo, começa com o sonho do radialista José Luiz Maza, que em meados de 1970 queria montar uma emissora educativa na cidade. Maza conquistou seu objetivo e já se vão 37 anos desde que a rádio Cultura de Amparo entrou no ar, sendo a mais antiga emissora educativa municipal do Estado e a segunda mais antiga do Brasil.

Mas não foi fácil. Apaixonado por rádio, Maza era funcionário, em 1974, da TV Cultura, responsável pela antena de transmissão no município. Naquela época, eram poucas as rádios FM no Brasil, ainda mais naquela parte do país. A princípio, Maza achou que podia fazer tudo sozinho. “Fiz um transmissor de 10 quilowatts e comecei a retransmitir o sinal da rádio Eldorado, de São Paulo. Tinha um alcance muito grande, chegava até Campinas. Mas os meus amigos da TV Cultura me avisaram que isso era ilegal e que eu poderia ser preso”, conta o radialista, que atualmente é o supervisor técnico da rádio Cultura de Amparo.

Para conseguir o objetivo de inaugurar uma emissora na cidade, ele teve de pedir apoio à gestão municipal, após ter a solicitação para obter uma emissora comercial negada. Foi assim que, no dia 27 de agosto de 1974, sob a portaria do Ministério das Comunicações, nasceu o Serviço Municipal de Radiodifusão, através da Lei nº 830/74. A rádio estava criada no papel, mas até entrar no ar foi um longo processo. “A prefeitura percebeu que não tinha dinheiro para iniciar a emissora. Eram necessários um milhão de cruzeiros na época, e tínhamos o prazo de três anos para a rádio entrar em funcionamento”, revela. Finalmente, quatro anos depois, em agosto de 1978, a rádio Cultura de Amparo iniciou suas operações.

Operando na frequência 102,9 MHz, a emissora conta com 14 funcionários, todos servidores públicos municipais concursados. Além dos 69.322 habitantes de Amparo, as ondas da rádio Cultura também alcançam as cidades do ‘Circuito das Águas Paulista’, da região metropolitana de Campinas, parte das regiões norte e nordeste do Estado de São Paulo e parte da região sul do Estado de Minas Gerais. “Levamos à população música de qualidade e prestação de serviços. Damos grande ênfase à música regional e instrumental, mas também temos boletins informativos que fazemos em parceria com conselhos municipais, voltados para idosos e deficientes, por exemplo”, detalha o diretor da Cultura FM Municipal de Amparo, Marcelo Lari.

Buscando o crescimento da emissora, a rádio Cultura está implementando ações no sentido de iniciar a captação de recursos junto a entidades de direito público e privado para veicular publicidade a título de “apoio cultural”, através da Lei 3.167 de 27 de abril de 2006, que acresceu artigos à Lei 830/74.

Número de documentos Estúdio da rádio exigidos diminui

Existem no país 9.973 licenciados para atuar com rádios comerciais e educativas. O Ministério das Comunicações (MC) registra também 4.377 rádios comunitárias outorgadas.

A outorga de concessão para uma rádio pública é dada após a publicação no Diário Oficial da União dos chamados Avisos de Habilitação, abrangendo, cada um deles, certo número de municípios, convidando os interessados a apresentarem suas propostas. A ação é gerenciada pela Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos municípios que buscam uma rádio pública, desde setembro deste ano está menos burocrático conseguir uma autorização para abrir emissoras comunitárias e educativas por conta do menor número de documentos exigidos.

Após a publicação da portaria nº 4.334/2015, que revoga a norma anterior sobre radiodifusão comunitária, o número de documentos exigidos caiu de 33 para sete. Entre as exigências que foram extintas, está a obrigatoriedade de um projeto técnico da emissora. “Essa nova norma vai facilitar para o entendimento dos documentos necessários em um processo de outorga de rádio comunitária. Isso vai resultar em mais rapidez na tramitação dos processos”, afirma o coordenador-geral de Radiodifusão Comunitária do Ministério das Comunicações, Samir Nobre.

Já para as rádios educativas também caiu o número de documentos solicitados de 18 para quatro, quando para entidades privadas, e de cinco para um, quando o interesse for de entidades públicas. A portaria nº 4.335 para emissoras educativas prevê a instauração dos processos de renovação pelo Ministério das Comunicações, com aviso prévio às entidades sobre o vencimento da outorga. O objetivo desta mudança é acabar com a grande quantidade de pedidos de renovação protocolados intempestivamente.

Entenda as diferentes concessões de rádio

No dial brasileiro existem três tipos diferentes de emissoras de rádio: as comerciais, as educativas e as comunitárias. A diferença entre elas está no tipo de abordagem e frequência em que é transmitida.

As mais comuns são as comerciais, que podem ter o espaço da sua programação explorado comercialmente dentro das leis de radiodifusão. Os órgãos públicos e a iniciativa privada podem operar este tipo de emissora, mas grande parte das outorgas em FM é concedida para corporações privadas.

As rádios educativas são concedidas, em sua grande maioria, ao poder público. A radiodifusão para fins educativos não podem ter caráter comercial, nem fins lucrativos, de acordo com decreto de Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967. Essas emissoras devem prezar por uma programação que estimule a veiculação de material educativo-cultural, jornalístico e de entretenimento.

Já as emissoras comunitárias não podem ter fins lucrativos e são de responsabilidade de associações ou fundações comunitárias. O objetivo principal é atender pequenas comunidades como aldeias, vilas rurais ou até mesmo municípios de pequeno ou médio porte.

Mais informações:
Ministério das Comunicações: www.mc.gov.br
Associação das Rádios Públicas do Brasil: https://arpub.wordpress.com

Gil Luiz Mendes