DISTÚRBIOS COMO A DISLEXIA E O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE PRECISAM DE DIAGNÓSTICO PRECOCE E TRATAMENTO ESPECÍFICO; PRECONCEITO PREJUDICA SOCIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS

> A simples leitura de um texto pode se tornar uma tarefa traumática e estressante para crianças que sofrem de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou de Dislexia – um distúrbio genético de linguagem. O diagnóstico só pode ser feito por meio de laudo, a partir de avaliação de uma equipe multidisciplinar, porém é fundamental a atenção de pais e professores para ajudar na identificação precoce dos distúrbios. Quanto antes diagnosticar, mais cedo pode ter início o tratamento adequado.

O TDAH é um transtorno neurobiológico crônico que se caracteriza por desatenção e impulsividade. Estes sinais devem obrigatoriamente manifestar-se na infância, mas podem perdurar por toda a vida, se não forem devidamente reconhecidos e tratados.

Universidade Metodista

Estima-se que o distúrbio afete de 3% a 5%das crianças em idade escolar, sendo mais comum entre os meninos. As dificuldades para manter o foco nas atividades e a agitação motora podem prejudicar o aproveitamento escolar.

Já a Dislexia se caracteriza pela dificuldade de decodificar o estímulo escrito ou o símbolo gráfico, além de comprometer a capacidade de aprender a ler, escrever com fluência e compreender um texto.

Em diferentes graus, os portadores desse transtorno não conseguem estabelecer a memória, associar os fonemas às letras. A Associação Brasileira de Dislexia estima que o transtorno acometa de 0,5% a 17% da população mundial e pode manifestar-se em pessoas com inteligência normal ou mesmo superior e persistir na vida adulta.

DIAGNÓSTICO

O professor de Neurologia Infantil e membro do Núcleo Especializado em Aprendizagem da Faculdade de Medicina do ABC (NEA-FMABC), Rubens Wajnsztejn, explica que o diagnóstico de TDAH deve ser feito por uma equipe multidisciplinar. São necessárias consultas e avaliações específicas de médicos, psicólogos, pedagogos e fonoaudiólogos, entre outros profissionais. Esta equipe consolida um diagnóstico em conjunto. “A interdisciplinaridade nas avaliações é uma recomendação da comunidade científica, pois o diagnóstico isolado está mais suscetível a erros. Mesmo assim, infelizmente, nem sempre essa recomendação é seguida na prática médica”, diz.

O neurologista destaca que, apesar do aumento do diagnóstico de TDAH, boa parte da população ainda permanece sem diagnóstico e tratamento. “Esse aumento de casos é uma tendência, principalmente se levarmos em conta que a população está mais bem informada e busca mais os serviços de saúde, da mesma forma que pesquisas e avanços científicos garantem hoje maior capacidade de diagnóstico.”

Graus de TDHA

O TDAH é dividido em três graus de intensidade: leve, moderado e severo. Rubens afirmou que a medicação nos casos leves não é recomendada, diferentemente dos pacientes severos, que devem ser medicados. Já situações moderadas são avaliadas individualmente e a medicação dependerá do grau do problema, ou seja, de quanto o transtorno atrapalha o dia-a-dia do paciente. “Independentemente da gravidade, todos os casos englobam orientações familiares e escolares, além de terapia cognitivo-comportamental. O ideal é que essas orientações e terapias ocorram simultaneamente”, salienta.

ALFABETIZAÇÃO

Os sintomas da dislexia variam de acordo com os diferentes graus de gravidade do distúrbio e tornam-se mais evidentes durante a fase da alfabetização, no período escolar. Entre os mais comuns estão dificuldades para ler, escrever, soletrar, entendimento de texto, identificação de fonemas e associá-los a letras, troca de letras, entre outros.

O diagnóstico também deve ser multidisciplinar. Antes de afirmar que uma pessoa é disléxica, é preciso descartar a ocorrência de deficiências visuais e auditivas, déficit de atenção, escolarização inadequada, problemas emocionais, psicológicos e socioeconômicos que possam interferir na aprendizagem.

Nos dois casos é fundamental estabelecer o diagnóstico precoce para evitar que sejam atribuídos aos portadores dos transtornos rótulos depreciativos, o que trará reflexos negativos para a autoestima e o projeto de vida dos pacientes.

A psicóloga e gerente de serviços de reabilitação profissional e centro de convivência da Associação para Valorização de Pessoas com Deficiência (Avape), Flávia da Silva Rego, confirma que na instituição há muitos relatos de crianças atendidas que sofrem bullying na escola ou mesmo na família. “Se uma pessoa tem dificuldade em aprender ela não pode ser simplesmente taxada de burra. Pais e professores devem estar atentos, pois tais ‘brincadeiras’ podem acarretar agravamento do quadro, quando a criança não quer se socializar por sentir vergonha, o que pode levar também a um quadro de depressão.”

Mãe comemora cada nota como vitória

Clarice Firmina orienta a filha, que tem dificuldade de manter a concentração FOTO: MARIO CORTIVO

Clarice Firmina orienta a filha, que tem dificuldade de manter a concentração
FOTO: MARIO CORTIVO

Diagnosticada com TDAH desde que iniciou a vida escolar, Débora de Oliveira Ribeiro, que hoje esta matriculada em uma escola pública de Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo, sofre com as brincadeiras maldosas dos amigos e se esforça para acompanhar a classe. A adolescente é uma das pacientes do ambulatório da Fundação Medicina do ABC, onde faz tratamento para diminuir o impacto do transtorno.

Clarice Firmina de Oliveira, mãe da adolescente, explica que a filha se esforça bastante, mas apresenta dificuldade em aprender, interpretar textos e manter a concentração. “Cada nota alta que ela consegue, comemoro como uma grande vitória, para incentivá-la”, conta. A mãe disse ainda que o transtorno costuma levar a filha ao isolamento, o que pode ser traço de uma possível depressão, devido à falta de compreensão dos colegas de classe.

Débora já recebeu muitos apelidos, entre eles alguns cruéis como “burra” e “capeta”, pois, além da dificuldade de aprender e acompanhar a classe, também há a hiperatividade. “Sempre que reclamam dela, tenho que explicar o problema e o impacto que isso acarreta no aprendizado e no comportamento”, recorda Clarice.

Para ela, faltam informação e preparo para os professores lidarem com os alunos que têm algum tipo de problema. “Fala-se muito da escola ser um espaço de inclusão, mas infelizmente não é isso que ocorre”.

Tratamento em grupo ajuda na socialização da criança

Atuando há 33 anos no atendimento e reabilitação de pessoas com algum tipo de deficiência, a Associação para Valorização das Pessoas com Deficiência (Avape) oferece atendimento para pessoas que sofrem tanto de Dislexia quanto de TDAH. Profissionais que atuam na instituição traçam planos individuais de tratamento e também atendimento em grupo para ajudar a promover a socialização dos pacientes.

A gerente de serviços de reabilitação profissional e centro de convivência da instituição, psicóloga Flávia da Silva Rego, explicou que cada caso é analisado individualmente para que as deficiências recebam tratamentos específicos. “Se o paciente precisa focar mais em suas atividades, vamos desenvolver esta parte. Quando é o caso de trocar letras, como o “o”, pelo “u”, a fonoaudiologia pode trabalhar isso”, exemplifica.

A instituição conta com um grupo multiprofissional – formado por neurologistas, fisiatras, neuropediatras, pediatras, psiquiatras, psicólogos, psicopedagogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e assistentes sociais. “Não existe um prazo médio para consultas, que podem ocorrer até três vezes por semana, dependendo do quadro”, explica.

A psicóloga diz ainda que o tratamento em grupo ajuda na socialização das crianças. “Eles precisam saber que não são os únicos a ter Dislexia ou TDAH. Com o acompanhamento médico e tratamento adequado isso pode ser superado. Criança tem que se socializar e, principalmente, brincar.”

José Fernandes