CONSELHEIROS MIRINS PARTICIPAM DE PROCESSO ELEITORAL E ELEGEM REPRESENTANTES PARA DISCUTIR MELHORIAS DE INFRAESTRUTURA E QUALIDADE DE VIDA NAS ESCOLAS DE SANTO ANDRÉ

 > Crianças capazes de identificar demandas em suas escolas e na comunidade, discuti-las em seu ambiente de convívio e buscar soluções junto ao poder público. É com este conceito que Santo André, na região metropolitana de São Paulo, vem inovando seus mecanismos de participação popular, ao dar voz e voto a estudantes da rede municipal de ensino, com idades que variam de 2 a 10 anos.

O projeto Conselheiros Mirins, também conhecido como Orçamento Participativo Criança (OP Criança), estimula cerca de 1,5 mil alunos eleitos conselheiros, das 51 EMEIEFs e 31 creches, a detectar as necessidades do município e integrá-las nas decisões de investimento e manutenção da prefeitura. A iniciativa começou em 2013, com as discussões do Plano Plurianual Participativo (PPA), no qual 18 mil crianças, com idades entre 5 e 10 anos, ajudaram a eleger as demandas consideradas prioritárias para cidade.

Universidade Metodista

Desde então, a participação decolou. No ano passado, as 66 propostas eleitas nas reuniões do Orçamento Participativo (OP) incluíram sugestões de 35 mil estudantes, entre 2 e 10 anos, de escolas e creches municipais. Nas plenárias, as crianças reivindicaram melhorias em diversas áreas, como construção de uma nova escola, revitalização de praças e áreas de lazer, manutenção das calçadas, além de reformas de banheiros, criação de salas multiusos, incremento no número de computadores, entre outras requisições, nas unidades escolares. Os pedidos das crianças foram aprovados pelos vereadores da Câmara Municipal de Santo André e deram início a algumas obras.

Segundo a vice-diretora da EMEIEF – Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Professora Yvonne Zahir, Cilene Máximo Alberto Brasil, localizada no bairro Jardim Las Vegas, o projeto se destaca pela importância no processo de formação cidadã. “Com a participação nas decisões da cidade, as crianças despertaram para a importância de levar em consideração a opinião de todos, além de entender, na prática, conceitos como democracia e direitos e deveres, valores que são levados adiante na vida adulta”, garante.

Emilly da Silva Rodrigues, de 10 anos, é uma das 28 conselheiras da unidade escolar. Para ela, o principal ensinamento do Conselho é a importância de se discutir ideias e levá-las adiante. “Eu gosto de orientar as pessoas para que tenhamos uma escola melhor, uma cidade melhor, um mundo melhor. E só conseguimos isso com muito diálogo, com o debate de ideias e com um bom trabalho em equipe”, pontua.

Maria Eduarda Medeiros de Souza, de 9 anos, já é experiente no cargo. Conselheira há dois anos, ela destaca a importância de questionar quem cuida da cidade e planejar melhorias para a escola. “Na nossa sala de aula, tinha uma problema de vazamento. Em reunião, levantamos a necessidade deste reparo e levamos à direção, que repassou nosso pedido à Prefeitura. Fomos atendidos. Já estão consertando”, comemora entusiasmada.

Para a assistente pedagógica da escola, Luciane Vezzaro Izidoro Fialho, o poder de questionar e planejar uma ação trará bons frutos. “Os alunos passam a olhar com mais responsabilidade e cuidado para aquilo que é deles. Começam a entender a importância de se apropriar de seus espaços e buscar mais qualidade de vida, mesmo que em pequenas ações. Trata-se de uma educação inclusiva”, pondera.

Democracia se aprende na escola

A eleição dos Conselheiros Mirins lembra um processo eleitoral de gente grande. São abertas inscrições para que os candidatos concorram às duas vagas disponíveis por turma, com direito a uma reeleição. Uma vez inscritos, fazem campanha e são submetidos à aprovação popular que, aqui, representa a vontade e a decisão da maioria dos colegas de classe.

Concluída a eleição é feita a aclamação dos eleitos, com cerimônia de posse, execução do Hino Nacional e identificação dos conselheiros com um crachá, que será usado ao longo de seu mandato, para que sejam identificados pelos colegas e acionados sempre que necessário.

Cilene lembra que cada escola usa de uma metodologia, mas que, em todas elas, o processo eleitoral replica o direito democrático de todos os brasileiros: o de exercer sua escolha pelo voto. “Aqui as eleições são bem disputadas. Passou a ser uma tradição. As crianças votam em seus representantes e aquele aluno que é eleito passa a representar a turma e a ser fiscalizado por seus colegas às regras da escola. Já recebemos, inclusive, reivindicações das crianças sobre a escolha do representante. Cobranças de que aquela criança eleita não estava tendo uma boa postura e nos solicitaram uma nova eleição”, recorda.

Segundo a vice-diretora, a escola lembra aos conselheiros de sua responsabilidade diante do cargo para o qual foram eleitos. “Eles sabem que precisam ser exemplos para os demais. Há casos de lideranças negativas, de alunos que eram populares pela bagunça e, quando eleitos, entendem a sua responsabilidade e mudam completamente de atitude”. Como explica, dar esse tipo de reconhecimento é trabalhar a autoestima e despertar o senso de responsabilidade em meninos e meninas, que passam a ser multiplicadores de conhecimento, repassando o que aprenderam aos seus familiares, amigos e círculo social.

Giovani Sousa Oliveira, de 10 anos, mudou completamente sua postura após ser escolhido como representante por sua turma. “Passei a ajudar mais as pessoas. Se há algo errado na escola que eu possa arrumar, já indico aos professores e direção. Faço também o levantamento do que é importante para a minha sala de aula, das dúvidas dos meus colegas de classe, e apresento tudo na reunião mensal do Conselho. Dalí é que saem as decisões do que é relevante ou não para levarmos ao prefeito”, comenta.

“Eles sabem que precisam ser exemplos para os demais”

Além do levantamento de demandas, Giovani destaca as campanhas desenvolvidas pelos alunos, de 4 a 12 anos, para conscientizar as crianças em “ações importantes para um mundo melhor”, como define. “Fizemos uma campanha de boa educação. Criamos cartazes, percorremos as salas de aulas, conversamos com as crianças e identificamos um problema na entrada da escola. As crianças chegavam gritando e correndo, o que ocasionava muitos acidentes. Pensamos numa estratégia e, agora, os conselheiros chegam mais cedo à escola para recepcionar os outros alunos. Orientamos a não correr no acesso à escola, a fazer silêncio e a sempre saudar amigos, professores, funcionários da escola com bom dia. Tem dado certo”, sorri.

Maria Eduarda comemora o bom resultado de outra campanha – a identificação de uniformes e materiais escolares. “Nós fizemos um levantamento do número de blusas esquecidas na escola que estavam perdidas, sem identificação. E ficamos assustados com 67 peças encostadas, sem qualquer uma delas poder ser devolvida à criança que perdeu. Junto com a direção, conversamos com os alunos sobre a importância de pedir aos pais para escrever o nome nas roupas e nos materiais. Assim, toda vez que encontrarmos uma peça, podemos checar de quem é e devolver. Desde o início da campanha, em março, conseguimos reduzir o número de agasalhos perdidos para apenas 10 peças não identificadas”, festeja.

A assistente pedagógica afirma que as campanhas visam à completa conscientização dos alunos e das famílias. “Trabalhamos muito o conceito de direitos e deveres. Sempre há reivindicação da entrega de uniformes e materiais escolares. Temos o direito de receber esses itens, mas temos a obrigação de cuidar deles, afinal não são de graça. Os pais pagam os impostos que subsidiam a compra desses materiais. O bom uso e conservação é uma responsabilidade de todos”, destaca. A ação resultou numa mobilização geral de alunos. “Quando alguém encontra alguma peça, já procura pelo nome e entrega ao aluno ou à escola, para que a devolução seja feita imediatamente”. “Também realizamos campanha para o uso racional de água, que envolveu desde os menores aos maiores. Confeccionamos cartazes, passamos com os conselheiros de sala em sala explicando formas de economizar água na escola e em casa. As crianças mudam suas atitudes aqui e  atuam como multiplicadores na comunidade, influenciando até no modo de vida dos pais”, pontua a vicediretora.

O êxito do programa é atestado por Ednalva da Silva dos Santos Jesus, 42 anos, dona de casa e mãe da aluna Emilly. “Depois de se tornar conselheira, a Emilly passou a se preocupar mais com a rotina da escola e com o que pode ser melhorado no nosso bairro. Ela procura conversar mais com as crianças. Está sempre atenta ao que seus colegas precisam. Se entra um aluno novo na escola, já se mobiliza para que ele seja integrado à rotina. Sempre foi ótima aluna, mas agora vai feliz e motivada para as aulas”, orgulha-se.

Para o coordenador de programas da gestão democrática da Secretaria da Educação de Santo André, João Wagner Sussai, integrar os alunos à gestão pública reforça a ideia de que a palavra deles tem peso. “Eles se sentem ouvidos e atendidos pela administração. Ver que uma demanda eleita por eles foi contemplada é uma grande vitória e faz com que, cada vez mais, eles ampliem o olhar no sentido de buscar novas soluções para sua escola e para o entorno dela”.

Exemplo disso, segundo ele, foi a solicitação das crianças de uma creche localizada no bairro Jardim Las Vegas, constataram que uma praça, nas proximidades, precisava de manutenção. “Elaboraram um pedido de capina, manutenção no playground, instalação de lixeiras, e a Prefeitura atendeu. As crianças perceberam que não é brincadeira. Que suas percepções e necessidades estão sendo respeitadas”, reforça João.

Multiplicadores de conhecimento

Prefeito Carlos Grana com Conselheiros Mirins FOTO: DIEGO BARROS/PMSA

Prefeito Carlos Grana com Conselheiros Mirins
FOTO: DIEGO BARROS/PMSA

Santo André inovou na formatação dos Conselheiros Mirins, ao dar voz e voto aos estudantes da rede pública municipal que, além de levantarem possíveis demandas e cobrarem a inserção de seus interesses na peça orçamentária do município, passam a conhecer as esferas da gestão pública bem de perto. Para isso, são agendadas visitas monitoradas a órgãos como a Prefeitura, Câmara municipal, Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, Conselho Tutelar, Conselho Regional de Assistência Social (CRAS), entre outros.

De acordo com o secretário de Educação, Gilmar Silvério, a iniciativa integra uma concepção de educação transformadora, que aposta na emancipação e participação cidadã. “Esse processo de eleição dos conselheiros, discussão das questões na escola, visita à Prefeitura e conversa com o prefeito fortalece as crianças, seu espírito crítico e prepara para encarar os desafios futuros com mais ousadia, além de valorizar a importância da democracia para o País”, reforça. Dessas visitas, as crianças extraem conhecimentos que são compartilhados com todos os alunos da escola que, mais tarde, multiplicam a disseminação de informações com sua comunidade.

Prefeito Carlos Grana com Conselheiros Mirins FOTO: DIEGO BARROS/PMSA

Prefeito Carlos Grana com Conselheiros Mirins
FOTO: DIEGO BARROS/PMSA

Giovani conta que participou de uma visita ao Consórcio Intermunicipal, presidido pelo prefeito de Rio Grande da Serra, Gabriel Maranhão, e conheceu os prefeitos das sete cidades que formam o Grande ABC (Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra). “Lá nos explicaram como são definidos os objetivos comuns a serem trabalhados pelas cidades e como tudo funciona. Participei, também de oficinas sobre o combate à dengue, no Parque Escola de Santo André, e aprendi várias técnicas para evitar a multiplicação dos mosquitos”, anima-se.

Emilly também conheceu o CRAS e o Conselho Tutelar e foi orientada a como proceder em caso de violência sexual ou doméstica. “Fomos a palestras que nos mostraram a importância de denunciar os agressores, além dos tipos de violência a que podemos ser submetidas. São informações muito importantes que pude repassar para meus amigos e minha família”, garante a aluna.

O futuro dos Conselheiros Mirins

Para 2016, João sinaliza a retomada do OP Criança. “Este ano foi reservado para a prestação de contas. Para o ano que vem, retomaremos as plenárias com o intuito de elencar as prioridades que serão executadas em 2017/2018”. Outra iniciativa que deve se repetir, segundo o coordenador, é o encontro de Conselheiros Mirins, realizado neste ano em Paranapiacaba, que reuniu cerca de 1,2 mil alunos em atividades e oficinas, com foco na formação dos Conselheiros Mirins.

Fernanda Bertoncini