O Clube da Saúde Pública do Grande ABC deve viver nesta semana período de definições. A Fundação do ABC é uma milionária organização pública sob controle ou descontrole de Santo André, São Bernardo e São Caetano. E está vivendo crise diretiva que tanto pode se agravar quanto se acomodar, como tantas outras vezes. A diferença é que desta feita há ameaça externa.

Trata-se da possibilidade de intervenção do Ministério Público Estadual. Por isso, haveria consenso de que o melhor mesmo é encontrar um caminho conciliador. A demissão dos dois principais executivos da Central de Convênios, caixa-forte da instituição, virou questão emergencial. Sem que saiam, tudo parecerá mais complexo e indigesto. O Diretor-Geral Carlos Eduardo Fava e o Diretor-Administrativo Décio Teixeira Prates Júnior são os alvos especiais.

Universidade Metodista

Permeia no ambiente da Fundação do ABC um quadro contraditório. Tanto a entidade pode retomar o eixo diplomático que redundaria em série de decisões administrativas que dariam fluidez à gestão da presidente Adriana Berringer quanto o caldo pode engrossar e a gestão descambar à fragmentação.

Há dirigentes e curadores influentes com olhos postos até mesmo em eventual ruptura. Ou seja: a Fundação do ABC, única regionalidade que deu certo na história local, poderia passar por divisionismos formais. A regra tradicional de encontrar a saída que não coloque em risco a gestão tríplice pode ser mais uma vez a máxima de sobrevivência geral.

São Bernardo dissidente

O temor máximo que assombra o futuro é a possibilidade de São Bernardo deixar a Fundação do ABC e criar instituição semelhante para cuidar exclusivamente do macrogerenciamento da saúde. Está certo que o caminho é tortuoso e complexo, mas já haveria estudos nesse sentido. São Caetano também não ficaria longe disso.

Há descontentamento generalizado com o terceiro sócio do empreendimento. O prefeito Paulinho Serra, dono das duas principais vagas de executivos da Central de Convênios, é visto com desconfiança. A troca de executivos da Central de Convênios visa enquadrar Paulinho Serra nos rigores da equidade diretiva. Caiu a ficha de que ele vinha usufruindo de vantagens comparativas. A dificuldade de mensurar quais são essas vantagens faz parte da interrogação sobre os rumos da Fundação do ABC.

Não faltam elementos que colocam Orlando Morando e Paulinho Serra em posições antagônicas. Não é de hoje que os dois tucanistas não se bicam. Há série de obstáculos entre eles.

Os entornos políticos deles estariam em pé de guerra. José Auricchio Júnior também já teve relações governamentais mais sólidas com Paulinho Serra. A Central de Convênios virou bifurcação decisória.

Um dos pontos que convergiram para a instabilidade administrativa destes tempos é que se coloca em risco o cargo de Adriana Berringer, presidente indicada por São Caetano.

Presidente forte ou fraca?

A dirigente teria mão de ferro exagerada para os padrões de maleabilidade que marcam a história da Fundação do ABC. Para alguns, Adriana Berringer não teria o que chamam de jogo de cintura para contornar dificuldades de uma sociedade tripla. Outros integrantes da Fundação saem em defesa da executiva. Ela seria um ponto fora da curva de permissividades. Um modelo ideal para novos tempos em que as redes sociais não se submetem aos caprichos de formalidades tradicionais da mídia impressa.

Entre tapas e beijos de avaliações sobre o comando executivo da Fundação do ABC existe uma certeza que não resistiria à visita do Ministério Público Estadual ou da Polícia Federal: haveria desvios escandalosos na Central de Convênios, que também poderia ser chamada de Central de Negócios Suspeitos.

A pandemia do Coronavírus escancarou as dificuldades de sustentar medidas supostamente inseridas no padrão de qualidade ética.

CapitalSocial teve acesso a vários documentos, sobre os quais mantém reservas de conteúdo. Há materialidades de que a Central de Convênios não atuou com a devida lisura quando o que está em jogo é a transparência no uso de dinheiro público.

Um dirigente da Fundação do ABC afirma que a compra de equipamentos e materiais para o combate à pandemia rompeu o lacre de confiança que teria sido imposto pela presidência.

Compras emergenciais somente poderiam ser efetivadas após licitação com pelo menos três participantes. Não foi o que se observou. A direção da Central de Convênios optou por apenas um fornecedor em vários casos. Os valores contratuais são veredas de inconformidades.

Mais que isso: são indícios, quando não provas documentais, de que houve o que poderia ser chamado eufemisticamente de descuidos com o dinheiro público. As negociações com fornecedores não resistiriam a uma auditoria.

Invasão dos bárbaros

E aparentemente o que mais se teme na Central de Convênios são os indícios de medidas que ultrapassaram a linha de fundo de responsabilidade com as finanças públicas. Na última semana houve invasão de supostos observadores da Prefeitura de Santo André na Central de Convênios.

Tudo ocorreu após a publicação dos textos de CapitalSocial. Funcionários que acompanharam o movimento deram à operação uma marca que os federais provavelmente aprovariam se fossem eles, os federais, os executores.

“A Invasão dos Bárbaros” virou espécie de meme verbal entre os mais graduados representantes da Fundação do ABC.  

Mais que a retirada de cena dos dois executivos da Central de Convênios com fortes ligações com o prefeito Paulinho Serra, o que parece irremovível como condição de a Fundação do ABC atuar com mais segurança administrativa é o fim da autonomia daquele departamento.

Com os atuais executivos, a Central de Convênios é um mundo à parte na Fuabc. Por ali passa grande parte do orçamento anual de quase R$ 3 bilhões.

Obediência à hierarquia

O modelo de atuação da Central de Convênios é uma barbaridade de transgressão corporativa e institucional. Os dois executivos não prestam contas à presidência. Fazem de negócios e despesas o que bem entendem. Descumprem inclusive determinações. Como foi o caso das compras emergenciais de enfrentamento ao Coronavírus.

Sabe-se que a presidente Adriana Berringer estaria entre a cruz e a espada diante de dirigentes mais exigentes da Fundação do ABC. Ela correria o risco de afastamento caso não responda à necessidade de enquadrar a Central de Convênios nos rigores estatutários.

Mas, ao mesmo tempo, a iniciativa a colocaria na linha de tiro de quem quer manter tudo como está. Adriana Berringer estaria encalacrada. Muitos a consideram negligente. Outros a colocam em posição de liderança silenciosa e resolutiva.  

Certo mesmo é que o marco divisório dos próximos dias na Fundação do ABC é o destino da dupla de executivos da Central de Convênios. A demissão seguida de contratações de executivos alinhados aos pressupostos de governança hierárquica emitiria sinais de que se está fazendo de tudo para evitar a chegada de visitas inoportunas que não sejam exatamente relacionadas à Prefeitura de Santo André. Afinal, o cardápio de potenciais falcatruas na Fundação do ABC é vasto. Antes e agora, durante a pandemia.

DANIEL LIMA – CapitalSocial