CIDADE DO ABC PAULISTA, QUE FOI BASE DO BRASIL NOS JOGOS OLÍMPICOS, ESTÁ NA 2ª DIVISÃO

> Durante toda a década de 1980 e meados dos anos 1990, Santo André (Região Metropolitana de São Paulo) era chamada de “capital do esporte” graças à parceria com a multinacional Pirelli. A cidade servia o Brasil com quantidade e qualidade, a ponto de os atletas se reunirem para fotos em Jogos Olímpicos. Mas, em 1994, a fábrica de pneus retirou o seu apoio, e o esporte foi entrando em decadência, até se tornar coadjuvante.

Nos últimos Jogos Regionais, um aquecimento para os Abertos, terminou na sétima posição. Ficou à frente apenas de Peruíbe e da pequena Ribeirão Pires, com quem brigou até o último dia contra a vice-lanterna. O município viu de longe, bem de longe, a vizinha São Bernardo e sequer superou as modestas Praia Grande e Guarujá. Na mesma época dos Regionais, em julho, o país participava dos Jogos Pan-Americanos de Toronto, e a cidade contribuiu com apenas duas jogadoras do time de basquete: Tássia e Jaqueline. São Caetano, a título de comparação, enviou 38 representantes ao Canadá. Hoje, está na 2ª divisão dos Jogos Abertos do Interior, não tem mais estrelas capazes de dar uma medalha ao Brasil em Olimpíadas e se mantém com poucos patrocinadores.

Universidade Metodista

“A gente conquistava os Regionais e os Abertos com um pé nas costas, o vôlei ia com o time B ou C e ganhava mesmo assim. Na verdade, joguei uns 10 anos esses eventos e nunca perdi uma partida. Fomos absolutos nessas competições entre o fim de 1970 e começo de 1990. Se a cidade não ganhava, ficava em segundo e perdia por detalhes”, diz William Carvalho, um dos craques da equipe de vôlei, que chegou a ser sagrar campeã mundial de clubes. Atualmente, amarga a 2ª divisão da Superliga e nem figura no adulto entre as mulheres.

A cidade chegou a fechar as portas para o vôlei, mas voltou a ter um time masculino em 2013. “Estamos num projeto de reestruturação. O processo é lento, não tem jeito. Achei natural a queda (de qualidade) da modalidade, aconteceu em todo o estado de São Paulo”, avalia o técnico Marcelo Madeira, lembrando que conseguiu patrocinadores por conta da tradição que Santo André tem na modalidade.

Para William, que hoje treina o time feminino de São Bernardo, falta “carinho” com o esporte de Santo André. “Não existe uma preocupação, poderia se focar nas categorias de base e ter modalidades como espelho para os jovens, com grandes atletas. Isso não acontece”, lamenta o ex-capitão da Seleção Brasileira. “Deveria ser feita uma força-tarefa, um mutirão com ex-jogadores para resgatar o que foi perdido”.

Márcio Cattaruzzi é presidente da LBF (Liga de Basquete Feminino), mas liderou a Pirelli na parceria vitoriosa e critica o trabalho que tem sido feito. “Santo André nunca teve uma política para o esporte, vai pelo entusiasmo de algumas pessoas, caso da Laís (Elena, técnica do basquete feminino) e um ou outro abnegado. Eles querem atender todos os esportes e não atendem ninguém. Tem que formar (atletas), dar quantidade grande para tirar qualidade”, comenta o dirigente.

UNANIMIDADE

Citada por Cattaruzzi, Laís Elena é unanimidade, com méritos. Ela se aposentou da função de técnica recentemente, após 32 anos no cargo, mas não larga o basquete. É coordenadora da modalidade e diz que a única solução para enfrentar os problemas é trabalhar.

“O basquete feminino tem um respaldo maior (da administração) por ter construído uma história. O momento é ruim, mas há uma pergunta para se fazer: qual é o trabalho que você fez? Quem tem trabalho colhe frutos, quem não tem precisa contratar jogadores, e com dinheiro de patrocínio é fácil”, analisa a ex-treinadora, orgulhosa com as categorias de base do esporte que dirige, com atletas em todas as seleções, apesar da vida financeira difícil – apenas a Prefeitura injeta dinheiro no basquete. “Estou indo atrás de academia e fisioterapia para o time, até a questão do transporte está complicada”, completa.

E os patrocinadores? Por que as empresas, principalmente as da casa, não se aliam ao esporte municipal? Segundo William Carvalho, a falta de planejamento da administração afasta os interessados. “Não há grandes projetos para os (potenciais) patrocinadores. Se você tem algo interessante, consegue captar verba pela Lei de Incentivo ao Esporte”, aposta.

FORMAÇÃO DE BASE

A Secretaria de Esporte e Lazer de Santo André (SEL) – que se manifestou por nota – acredita que os Jogos Regionais não servem como parâmetro de avaliação, pois várias adversárias utilizam suas verbas para “contratação de equipes prontas visando o resultado imediato e a mídia positiva”. Nessa última edição dos Regionais, a cidade foi a primeira colocada apenas na ginástica artística e handebol, ambos no feminino. A secretaria lembrou que o valor aprovado para o esporte em 2015 foi de R$ 2,6 milhões para 14 modalidades. Questionada se há algum projeto para alavancar o esporte de alto rendimento ou a base, a SEL respondeu que fez uma parceria com a Secretaria de Educação para fortalecer o núcleo de educação física, o que propiciou a presença de 24 escolas municipais nos Jogos Escolares. A ideia é que os jovens mais promissores sejam direcionados para a base e, daí, para as equipes do município. Um exemplo é a natação, com 1.500 alunos na iniciação, 250 meninos nas categoria de base e 25 atletas no alto rendimento.

Sobre projetos aprovados por meio da Lei de Incentivo, a secretaria citou dois já incentivados: Faixa Dourada, no judô, e outro na ginástica artística, sem citar o nome.

A pasta prometeu para o futuro a entrega de um ginásio de ginástica artística na Vila Alpina, além de um Centro de Iniciação ao Esporte no bairro Cata Preta, com estrutura para o atletismo. A modalidade, aliás, ficou na última posição dos Regionais pela carência de locais adequados ao esporte em Santo André.

No auge, Pirelli investiu US$ 6 milhões em um ano

Em 1989, considerado o último grande ano da parceria com Santo André, a Pirelli investiu cerca de U$ 6 milhões no esporte. A fábrica de pneus foi a primeira que fez centros de treinamentos, capazes de acomodar 22 modalidades, lado a lado.

“Cada esporte tinha a sua estrutura, o vôlei e o basquete possuíam ginásios bons para treinamento e competições nacionais. Havia também ginásio de judô e piscina aquecida para a natação”, recorda o ex-diretor da Pirelli, Márcio Cattaruzzi. “A gente tinha que fechar o portão durante os nossos treinos porque havia superlotação”, lembra William Carvalho, do badalado e histórico time de vôlei.

William, aliás, era obrigado a espalhar o conhecimento adquirido e a experiência das quadras pelos centros esportivos da cidade, um projeto da prefeitura e da Pirelli para fomentar as categorias de base. “Ele tinha que dar aula e isso servia para todas as modalidades”, garante Cattaruzzi.

Foi com o apoio da Pirelli que o Brasil conquistou medalhas importantes em Jogos Olímpicos. Base da delegação nacional nas edições de 1980, 84 e 88, o trabalho realizado resultou em medalhas de todas as cores, inclusive o ouro do judoca Aurélio Miguel, em 1988. Depois de 14 anos, a Pirelli praticamente deixou o esporte em 1992, mantendo por apenas mais duas temporadas a equipe de vôlei.

O antigo centro de treinamento ficou aberto apenas para os funcionários da multinacional, até 1997, mas fechou na sequência e o lugar acabou vendido para a UniABC (Universidade do Grande ABC) em 2001. Era o fim de uma época de ouro do esporte andreense.

Antonio Ferreira