REFÉNS DE ESTÁDIOS VAZIOS E TAXAS ALTAS, CLUBES DO ABC ACUMULAM PREJUÍZOS PARA ORGANIZAR OS JOGOS DE FUTEBOL

> Sabe aquela festa que o organizador gasta horrores e quase ninguém aparece? Esse é o drama vivido pela maioria dos times pequenos do Brasil, inclusive os do ABC, na Região Metropolitana de São Paulo. Dos principais da região, São Caetano e São Bernardo foram os únicos que tiveram coragem de se manter em atividade no segundo semestre, mas acumulam prejuízos para fazer uma partida de futebol. O diademense Água Santa, a sensação do momento, e o Santo André, dispensaram os campeonatos atuais e só voltam aos gramados em 2016. Os clubes funcionam como associações ou empresas e, por isso, sem retorno financeiro para pagar as despesas, fica difícil fechar as contas.

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Universidade Metodista

Vice-campeão da Copa Libertadores da América, o São Caetano entrou em queda livre e joga a Série D do Campeonato Brasileiro. No jogo de estreia da competição, em julho, o Azulão recebeu o Lajeadense (RS) no Anacleto Campanella. Goleou por 4 a 0, mas murchou quando a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) divulgou o boletim financeiro: prejuízo de R$ 12.728. Tirando a concentração, que vai mais R$ 4 mil em média e nem aparece no borderô, o time banca ambulância, arbitragem, salários das pessoas que trabalharam na partida e policiamento (veja quadro ao lado).

O lucro não vem porque as taxas cobradas são altas e o público não vai ao estádio – 498 “testemunhas” prestigiaram o confronto com o Lajeadense. “Todos os jogos do São Caetano sempre tiveram prejuízo e hoje é maior porque vem árbitro de fora de São Paulo. Os problemas (financeiros) existem desde a época boa, não temos arrecadação compatível ao espetáculo”, lamenta o presidente do Azulão, Nairo Ferreira de Souza, que já fez de tudo para buscar o lucro. “Já levei ingressos nas escolas e entreguei para crianças, fiz sorteio de geladeira e motocicleta”, recorda.

O São Bernardo é o único do ABC na Série A-1 do Campeonato Paulista e dá sorrisos com os boletins financeiros de fevereiro a abril. Os lucros são notáveis, especialmente quando os grandes da capital se apresentam no Primeiro de Maio, o histórico estádio da cidade. No fim das contas, o dinheiro ganho no começo do ano é usado para pagar as despesas do restante da temporada.

Neste momento, o Tigre disputa a inexpressiva Copa Paulista, torneio criado pela Federação para os clubes não ficarem ociosos. Na abertura da competição, a torcida praticamente ignorou o duelo contra o Nacional e o saldo negativo se fez presente. O São Bernardo arrecadou R$ 9.430, mas desembolsou R$ 10.929,71 com os custos.

“A Copa Paulista não tem apelo nenhum e o campeonato se tornou deficitário neste ano com o aumento do valor do policiamento”, avalia o presidente Luiz Fernando Teixeira. O dirigente diz que a cobrança desse item segue o Estatuto do Torcedor, mas ele não concorda. Para Teixeira, a segurança de um jogo de futebol deveria ficar a cargo de seguranças particulares, assim como é na Copa do Mundo, e não da polícia militar. Esse tipo de serviço, de fato, responde pelos gastos mais altos nos borderôs do Tigre, chegando a quase R$ 6 mil por partida.

“Por isso não estamos concentrando, embora eu considere importante. Também pedi para que jogássemos à tarde, porque à noite tenho que locar um gerador (usado em caso de queda de energia) e aí já vão mais R$ 3 mil, mesmo sem usá-lo”, completa o presidente do Tigre. Diante desse cenário, Santo André e Água Santa abriram mão das vagas de direito na Copa Paulista e da chance de classificação para a Copa do Brasil – oportunidade dada ao campeão. Segundo levantamento feito pela República, o Ramalhão teve prejuízo de cerca de R$ 75 mil nos confrontos em que foi mandante de fevereiro a maio, durante a Série A-2 do Campeonato Paulista.

“Clube nenhum pode contar com renda de bilheteria, mesmo na A-2 todos os jogos são deficitários. Às vezes, temos menos prejuízo fora de casa do que em casa, porque só pagamos a concentração”, compara o diretor de futebol do Santo André, Juraci Catarino, atestando esse grave problema envolvendo os pequenos do Brasil, que vão do sul ao norte e esmagam os grandes em quantidade. Por enquanto, o Água Santa é uma rara exceção porque leva, em média, de quatro a cinco mil torcedores no campo, mas mesmo assim preferiu guardar dinheiro nesse segundo semestre.

Ex-atleta sugere estádios menores

Ruy Cabeção é um dos líderes do Bom SensoFutebol Clube, movimento criado em 2013 por boleiros conhecidos com o intuito de cobrar melhorias no futebol. Para Ruy, que se aposentou há pouco tempo  dos gramados, a revolução deveria partir da CBF e Federações. “Seria interessante jogar em estádios com pouca capacidade de público, assim as despesas caem.” Procurada pela reportagem, a Federação Paulista de Futebol informou que arca com a arbitragem de todas as partidas da Copa Paulista e ainda cobre os gastos com árbitros na quarta divisão do Campeonato Paulista representado na região por EC São Bernardo, CAD e Mauaense, além de fornecer bolas e R$ 20 mil de cota por participação. Mas, admite, estuda mudanças para derrubar os custos e elevar as despesas dos seus filiados. Já a CBF, de acordo com o presidente do São Caetano, banca viagem, alimentação e transporte na Série D.

Em março, em jogo atípico de lucro pelo Paulistão, o São Bernardo arrecadou R$ 308,9 mil contra o Palmeiras no estádio Primeiro de Maio. As despesas totalizaram quase R$ 95 mil, suficiente para quitar o salário de boa parte do elenco do Tigre. Um dinheiro que foi embora na velocidade que entrou. Essa é a vida dura de um pequeno.

Vender jogador traz esperança

Recentemente, o São Caetano negociou o zagueiro Luiz Eduardo com o São Paulo e não recebeu um tostão em troca. A esperança é que o jogador vingue no Morumbi e seja vendido para que a próxima negociação, aí sim, renda lucro ao Azulão.

“Você tem que revelar atletas e negociar com um clube grande ou de fora do país. A saída é diminuir os custos e ser formador (vendedor)”, diz Nairo Ferreira de Souza, presidente do Azulão, ressaltando que cortou a folha salarial em 80% de 2014 para cá. “No Santo André, a parte social arca com os prejuízos; é preciso fazer milagres no futebol”, resume Juraci Catarino.

Para o presidente do São Bernardo, a solução para inverter o processo seria criar mais divisões do Brasileiro – são quatro atualmente. Assim, o torcedor apoiaria o time em peso durante todo o ano, deixando as contas no azul em dezembro.

“Hoje pago mais para os jogadores do que alguns adversários porque eles sabem que depois de quatro meses estarão desempregados. Se eles têm proposta semelhante à nossa de uma equipe que esteja no Brasileiro, eles vão escolhê-la porque terá um salário garantido até dezembro”, lamenta Luiz Fernando Teixeira, do Tigre.

“O futebol no Brasil precisa ser revisto. Não temos nada para comemorar, os estádios estão vazios, os clubes quebrados e os empresários recebendo muito”, desabafa Teixeira.

Antonio Ferreira